Por que a Ciência não consegue enterrar Deus: Sobre o mito Pt. 1

Precisamos, de qualquer forma, investigar mais a fundo a alegação de muitos cientistas de que o ateísmo é uma pressuposição necessária para a prática da verdadeira ciência. Eles acham que qualquer proposta para introduzir Deus como uma explicação do universo em qualquer nível provará ser o fim da ciência. Se, por exemplo, quando troveja, nós supusermos, como alguns dos antigos, que na verdade um deus está produzindo aquele barulho, então não vamos nem podemos investigar o mecanismo por trás do barulho. Só pressupondo que não existem deuses podemos estar livres para investigar os mecanismos da natureza de uma forma de fato científica: introduzam-se deuses em qualquer etapa, e a ciência para. Para eles, Deus é um entrave para a ciência.

Bem, com certeza precisamos nos livrar da deificação das forças da natureza, para podermos, com liberdade, estudar a natureza – um passo revolucionário que foi dado pelos primeiros filósofos naturalistas gregos Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto mais de 2.500 anos atrás. Não satisfeitos com as explanações mitológicas, como as que haviam sido escritas por Homero e Hesíodo por volta de 700 a.C., eles procuraram explicações em termos de processos naturais e alinhavaram algumas notáveis proezas científicas. Acredita-se a Tales a determinação de que a duração do ano era de 365 dias. Ele previu com precisão um eclipse solar em 585 a.C., e usou métodos geométricos para calcular as alturas das pirâmides a partir de suas sombras e até para calcular o tamanho da Lua e da Terra. Anaximandro inventou o relógio solar e um relógio à prova de intempéries e fez o primeiro mapa do mundo e das estrelas. Os filósofos de Mileto, foram, portanto, os pioneiros entre os primeiros cientistas.

De grande importância no presente contexto é Xenófanes (cerca de 570-478 a.C.) de Colofão (cidade próxima a Esmirna, atual Turquia), que, embora seja conhecido por suas tentativas de entender a importância dos fósseis de criaturas marinhas descobertas em Malta, é até mais famoso por suas contundente denúncia de visão mitológica do mundo. Ele ressaltou que foi atribuído aos deuses um comportamento que, entre os humanos, seria considerado como totalmente vergonhoso: os deuses eram malandros, ladrões e adúlteros.

Na verdade, ele sustentou que esses deuses haviam sido de fato feitos à imagem das pessoas que acreditavam neles: os etíopes têm deuses morenos e de nariz achatado; os deuses da Trácia têm olhos azuis e cabelos ruivos. Zombeteiro, ele acrescentou: “Se vacas e cavalos ou leões tivessem mãos e pudessem desenhar, então os cavalos desenhariam deuses em forma de cavalos, as vacas teriam deuses como vacas, criando corpos divinos semelhantes em forma a seus próprios corpos”. Assim, para Xenófanes, esses deuses eram apenas óbvias ficções infantis da fértil imaginação daqueles que acreditavam neles.

O influente filósofo atomista grego Epicuro (nascido em 341 a.C., logo após a morte de Platão), que cedeu seu nome à filosofia epicurista, quis excluir os mitos das explanações a fim de melhorar o entendimento:

Raios e trovões podem ser produzidos de várias maneiras – mas cuide para que os mitos fiquem fora disso! E eles serão excluídos se alguém observar as aparências corretamente e as tomar como sinais do que é inobservável.

Essa denúncia dos deuses, juntamente com a determinação de investigar os processos naturais, até então entendidos quase só como atividade daqueles deuses, inevitavelmente levou ao declínio as interpretações mitológicas do Universo e ao avanço da ciência.

Xenófanes não foi, porém, o único pensador antigo a criticar a cosmovisão politeísta. Mais importante, ainda, ele não foi nem o primeiro. Sem que ele tivesse conhecimento (é o que se presume – não parece haver, infelizmente, muitas informações sobre o assunto) e com séculos de antecedência, Moisés havia advertido de que não se adorassem outros deuses, prostrando-se “diante do Sol, ou diante da Lua, ou diante das estrelas do céu”. O profeta hebreu Jeremias, por exemplo, escrevendo por volta de 600 a.C., denunciou de modo semelhante o absurdo da deificação da natureza e da adoração do Sol, da Lua e das estrelas.

Nesse ponto poderíamos com facilidade incorrer no erro de concluir de forma precipitada que livrar-se dos deuses implica ou equivale a livrar-se de Deus. Longe disso. Para Moisés e os profetas era absurdo prostrar-se diante de vários fragmentos do Universo, tais como o Sol, a Lua e as estrelas, considerando-os deuses. Mas eles achavam igualmente absurdo não acreditar no Deus criador e não prostar-se diante daquele que os criou, bem como ao Universo. E aqui, convém notar, eles não estavam introduzindo uma ideia radicalmente nova. Eles não precisaram des-deificar seu Universo como fizeram os gregos, pela simples razão de que eles nunca haviam acreditado nos deuses.

O que os havia salvado dessa superstição fora sua crença em um único Deus verdadeiro, criador do céu e da terra. Isto é, o Universo idólatra e politeísta descrito por Homero e Hesíodo não foi o primeiro quadro mundial da humanidade – uma impressão que muitas vezes se adquire pelo fato de que a maioria dos livros de ciência e filosofia começa com os antigos gregos e enfatiza a importância da des-deificação do Universo, deixando exatamente de mostrar que os hebreus haviam protestado contra interpretações idólatras do Universo muito antes dos gregos. Isso serve para obscurecer o fato de que é possível argumentar que o politeísmo constitui a deturpação de uma crença original em um único Deus criador. Foi essa deturpação que precisou ser corrigida mediante a recuperação, não o descarte, da crença no Criador. Precisamento a ideia defendida por Melvin Clavin, como citado anteriormente.

Há, portanto, um profundo abismo entre a visão grega e a hebraica do Universo que deveria ser ainda mais enfatizado. Comentando o poema “Teogonia” (A gênese dos deuses), de Hesíodo, Werner Jaeger escreve:

Se compararmos essa hipóstase grega do Eros criador do mundo com o Logos da explicação hebraica da criação, podemos observar uma profunda diferença no ponto de vista dos dois povos. O Logos é a substancialização de uma propriedade ou poder intelectual do Deus criador, situado fora do mundo, ao qual confere existência mediante sua ordem pessoal.

Os deuses gregos se situam dentro do mundo; eles provêm do céu e da terra [...] são gerados pela poderosa força de Eros que também se situa dentro do mundo como uma força que tudo engendra. Assim eles já estão sujeitos ao que deveríamos chamar de lei natural [...]. Quando o pensamento de Hesíodo finalmente possibilita um modo de pensar verdadeiramente filosófico, O Divino é buscado dentro do mundo – não fora dele, como acontece na teologia judaico-cristã que se desenvolveu  a partir do livro de Gênesis.

É, portanto, muito surpreendente o fato de que Xenófanes, apesar de estar mergulhado numa cultura politeísta, não tenha cometido o erro de confundir Deus com os deuses e, portanto, não rejeitou o primeiro juntamente com os demais. Acreditando num só Deus que governa o Universo, ele escreveu: “Há um só Deus [...] não semelhante aos mortais nem na forma nem no pensamento [...] distante e sem esforço, ele tudo governa”.

A obra de Tomás de Aquino, do século 13, também é relevante nesta discussão. Ele considerava Deus como a Primeira Causa – a causa suprema de todas as coisas. Deus causou diretamente a existência do Universo que sendo assim, dependia dele. Isso é o que podemos chamar de causação direta. Mas então Tomás de Aquino sustentou que havia um segundo nível de causação operando no Universo.

Esse nível consistia na rede de causas e efeitos tecida pelo vasto sistema entrelaçado e interdependente que é o Universo. Assim, o fato de que as explicações da causação secundária podem ser apresentadas na forma de leis e mecanismos não implica a não existência do Criador, do qual depende a própria existência da rede de causas e efeitos.

A noção de que a crença num Deus criador que criou e sustenta o Universo significaria o fim da ciência é francamente falaciosa. De fato, poderíamos dizer que se trata de uma ideia um tanto estranha, à luz do papel que essa crença desempenhou no surgimento da ciência, pois, se tal noção fosse verdadeira, a ciência nunca poderia ter começado.

O Senhor Ford

Acreditar que um motor do carro havia sido projetado pelo Sr. Ford não impediria ninguém de investigar cientificamente como o motor funcionava – na verdade, isso poderia até estimular alguém a fazê-lo. Todavia, e isso é crucial, se as pessoas começassem a acreditar supersticiosamente que o Sr. Ford era o motor, isso sim seria a morte da ciência. Esta é a questão principal: há uma grande diferença entre Deus e os deuses, e entre um Deus que é o Criador e um deus que é o Universo, como bem sabia James Clerk Maxwell quando, sobre a porta do famoso laboratório Cavendish Physics de Cambridge, mandou gravar estas palavras: “Grandes são as obras do SENHOR, nelas meditam todos os que apreciam”.

Quando examinamos a história da ciência, temos todos os motivos para nos sentir gratos aos pensadores brilhantes, que deram o corajoso passo questionar a visão mitológica da natureza, a qual atribuía a vários segmentos do Universo poderes divinos que eles não tinham. Vimos que alguns deles agiram assim, não apenas sem rejeitar o conceito de um Criador, alguns cientistas e filósofos tenham sido levados, mesmo sem querer, a re-deificar o Universo, dotando a matéria e a energia de poderes criativos, os quais não se pode demonstrar de forma convincente que elas tenham. Banindo o único Deus criador, eles chagariam ao que tem sido descrito como a máxima do politeísmo – um Universo no qual todas as partículas têm capacidades divinas.

Quando antes discutirmos os limites da ciência, enfatizamos que havia certas questões que a ciência não estava preparada para explicar, sobretudo as perguntas do tipo “por que”, relacionadas com propósitos, e não com funções. Precisamos agora tratar da maneira pela qual a ciência tenta responder àquelas perguntas situadas no âmbito de sua competência.

Escrito por John C. Lennox. Tradução de Almiro Pisetta.

Trechos retirados do livro Por que a ciência não consegue enterrar Deus (Mundo Cristão, 2011)

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