“A monarquia havia abusado das ditaduras; os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a Cortes constituintes ou a qualquer espécie de Cortes.”
(…)
“A monarquia havia desperdiçado, estúpida e imoralmente, os dinheiros públicos. O país, disse Dias Ferreira, era governado por uma quadrilha de ladrões. E a república que veio multiplicou por qualquer coisa — concedamos generosamente que foi só por dois (e basta) — os escândalos financeiros da monarquia.”
— Fernando Pessoa (Obras em Prosa)
Depois de ler estes dois textos, convém dizer o seguinte:
Portanto, sendo eu apoiante da tradição portuguesa, não posso concordar nem com o liberalismo maçónico e jacobino, nem com o absolutismo importados de França.
A boa tradição portuguesa não é nem absolutista, nem liberal maçónica
O fenómeno político espanhol a que se chamou de Carlismo não teve a sua origem em Espanha: foi o duque francês de Angoulême que, com o seu exército de 100 mil homens, perseguiu a Corte de Fernando VII de Madrid até Cadiz, onde esta sucumbe, e reinstala-se o absolutismo em Espanha. Sem a invasão do duque de Angoulême, não existiria o Carlismo em Espanha.
A repercussão do Carlismo em Portugal — através de D. Miguel — vai ao arrepio do espírito independentista de 1 de Dezembro de 1640, e situa-se no âmbito do espírito absolutista e anti-tradicionalista que acabou com a reunião das Cortes em Portugal durante o último quartel do século XVII.
As primeiras Cortes da Restauração tiveram lugar em 1641, em Lisboa. Seguiram-se Cortes Gerais dos Três Estados em 1642 [Lisboa], 1645 [Lisboa], 1649 [Tomar], 1653 [Lisboa], 1655 [Lisboa], 1674 [Lisboa], 1679 Lisboa], 1696 Lisboa], e em 1698 realizou-se a última reunião das Cortes Gerais dos Três Estados antes da implantação do regime liberal.
Podemos ver que com a ascensão de D. Pedro II a regente, e por incapacitação do seu irmão D. Afonso VI, as Cortes passaram a ser espaçadas no tempo — depois das Cortes de 1655 — e acabaram por ser abolidas em 1698. E o século XVIII foi um tempo sem Cortes Gerais dos Três Estados e em que o povo não foi tido nem achado na governança absolutista; e é este retorno ao espírito absolutista do século XVIII, que esteve na origem da revolução napoleónica, que é encarnado pelo Carlismo espanhol e pelo Miguelismo português.
Portanto e em minha opinião, a ideia segundo a qual o Carlismo constitui a “recuperação da boa tradição portuguesa”, é falsa. O Carlismo, sendo anti-revolucionário, anti-liberal e absolutista, faz contudo parte integrante do processo dialéctico revolucionário. A boa tradição portuguesa não é nem absolutista, nem liberal e maçónica.
A boa tradição monárquica portuguesa é a da reunião regular e indispensável das Cortes Gerais dos Três Estados que prevaleceu em Portugal desde o início da nacionalidade até 1580, e mais tarde, depois do interregno da ocupação ilegítima espanhola, entre 1640 e 1698. E é a adaptação e a actualização deste espírito tradicional de respeito pela vontade do povo, mediante as reuniões regulares das Cortes Gerais dos Três Estados, no que diz respeito à política portuguesa contemporânea, que constitui a restauração da monarquia e da verdadeira tradição em Portugal.
Escrito por Orlando Braga. Blog Espectativas.
0 Comentários