igreja ortodoxa – Portal Conservador https://portalconservador.com Maior Portal dirigido ao público Conservador em língua portuguesa. Sun, 25 Nov 2018 20:44:49 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.3.4 65453639 Em pleno 2018, um novo cisma abala os cristãos https://portalconservador.com/em-pleno-2018-um-novo-cisma-abala-os-cristaos/ https://portalconservador.com/em-pleno-2018-um-novo-cisma-abala-os-cristaos/#respond Tue, 23 Oct 2018 20:33:08 +0000 https://portalconservador.com/?p=4278 read more →]]> Aleteia (23.10.2018) – Acaba de acontecer a maior ruptura desde o grande cisma de 1054.

No último dia 15 de outubro, o Patriarcado de Moscou rompeu com o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla. Não se trata de uma ruptura teológica: o motivo é territorial e político. No dia 11, o patriarca ecumênico Bartolomeu I, de Constantinopla, tinha concedido a autocefalia (independência) à Igreja Ortodoxa na Ucrânia, que, até então, dependia da jurisdição russa. Em reação, o patriarca Kirill, de Moscou, rompeu a comunhão eucarística dos russos ortodoxos com o Patriarcado Ecumênico de Constantinopla e, por conseguinte, com todas as Igrejas ligadas a ele.

A medida representa um novo e grave cisma entre os cristãos, considerado o maior da história depois do grande cisma de 1054, que separou Constantinopla de Roma e que perdura até hoje. Este cisma de 2018 fragmenta a “comunhão plena” da ortodoxia, pela qual os sacerdotes de diferentes patriarcados podiam celebrar juntos e os fiéis de uma Igreja ortodoxa podiam receber os sacramentos em outra. Agora, isto deixa de valer para os russos, que se isolam da comunhão com os demais cristãos ortodoxos.

Para entender melhor o que aconteceu nesta metade de outubro, é preciso retornar alguns séculos na história.

O nascimento de Constantinopla

No ano 330 d.C., o imperador romano Constantino decidiu criar uma “nova Roma”: com a Roma antiga avançando inexoravelmente rumo à decadência, ele transferiu a capital do Império para a cidade de Bizâncio, que foi então renomeada em homenagem a ele e passou a ser chamada de Constantinopla. Trata-se da atual Istambul, a metrópole da Turquia moderna e uma das maiores cidades do planeta.

Em 381, o bispo de Constantinopla reivindicou um “primado de honra” entre as Igrejas cristãs devido à posição da cidade como capital imperial. Esse reconhecimento o destacaria entre os demais patriarcas cristãos e, em termos honoríficos, o colocaria logo abaixo do Papa, cuja sede continuava em Roma.

Depois da morte do imperador Teodósio, que, sediado em Constantinopla, foi o último a governar um Império Romano ainda unificado, consumou-se a fatídica divisão do Império Romano entre Oriente e Ocidente. A partir dessa divisão política, as pretensões do bispo de Constantinopla encontraram suficiente acolhimento no Concílio de Calcedônia, em 451, para alçá-lo a um posto de honra e lhe conceder jurisdição sobre várias dioceses. Esta decisão, porém, nunca foi reconhecida pelo Papa, dado que foi tomada depois que os legados de Roma no concílio já tinham retornado ao Ocidente.

O surgimento da “ortodoxia”

Em Constantinopla continuou a fortalecer-se a convicção de que cabia ao bispo local um patriarcado com autoridade absoluta, ainda que honorificamente inferior ao papado. A separação ia se tornando mais nítida com as diferenças culturais entre o mundo latino e o greco-oriental, que se estendiam também a certas concepções teológicas. Mas as diferenças mais críticas eram principalmente políticas: os imperadores do Oriente não queriam, afinal, que a Igreja do seu império estivesse submetida à autoridade estrangeira de um Papa sediado em Roma. Isto os levava de modo natural a apoiar as pretensões de independência dos patriarcas orientais.

Chegou a ocorrer um breve cisma entre os anos de 863 e 867, encerrado pelo patriarca Fócio, de Constantinopla. Mas o grande cisma não pôde ser evitado: em 1054, quando as relações com Roma já eram praticamente nulas, o patriarca Miguel Cerulário se empenhou em evitar as tentativas de restabelecê-las. Reabriram-se nesse contexto as polêmicas já iniciadas por Fócio, séculos antes, a respeito das diferenças entre os ritos e costumes latinos e os greco-orientais. Enfatizaram-se ainda discordâncias teológicas e, principalmente, deixou-se de reconhecer o primado de jurisdição do Papa, numa decisão em que as demais Igrejas do Oriente seguiram a de Constantinopla. O cisma estava consumado: o mundo cristão se dividiu então entre romanos e ortodoxos.

As diferenças entre ortodoxos e católicos

O termo “ortodoxo”, em grego, quer dizer “doutrinalmente correto“. No entanto, as diferenças no tocante à doutrina católica são muito poucas. A mais expressiva diz respeito à procedência do Espírito Santo: para os ortodoxos, Ele procede apenas de Deus Pai, enquanto os católicos professam que Ele procede do Pai e do Filho. Esta discordância teve grande peso no cisma de 1054, mas hoje é entendida como uma diferença de ênfase teológica e não propriamente como uma diferença de dogma.

A proximidade doutrinal é tão grande que a Igreja católica considera válidos os sacramentos celebrados pelas Igrejas ortodoxas. Isto também se deve ao fato de que a Igreja católica reconhece que as ortodoxas preservam legitimamente a sucessão apostólica.

Grosso modo, a grande questão que as mantém separadas é mesmo a do primado de jurisdição do Papa. Outras diferenças menores entre católicos e ortodoxos estão ligadas ao calendário, a normas disciplinares e a costumes culturais.

As diferenças dos ortodoxos entre si

Existem 14 Igrejas ortodoxas autocéfalas, ou seja, independentes umas das outras. Elas reconhecem o primado honorífico do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla, mas não estão sujeitas à sua jurisdição. Esse primado tem caráter apenas simbólico: o patriarca de Constantinopla é comumente descrito, em latim, como “primus inter pares“, isto é, “o primeiro entre os iguais“.

Em termos doutrinais, todas essas Igrejas professam a mesma fé e celebram basicamente os mesmos ritos, com algumas diferenças culturais. As 14 Igrejas autocéfalas incluem os 4 patriarcados da antiguidade (Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém, que, junto com Roma, formavam a “pentarquia” do primeiro milênio cristão). As outras 10 são as Igrejas da Rússia, da Sérvia, da Romênia, da Bulgária, da Geórgia, de Chipre, da Grécia, da Polônia, da Albânia e, conjuntamente, a da República Tcheca e Eslováquia.

Existe também a Igreja Ortodoxa da América, sediada em Nova Iorque, mas a sua autocefalia não é reconhecida por todas as Igrejas – Constantinopla, emblematicamente, não a reconhece.

Rumando à unidade cristã

Até o século XX, os líderes da Igreja católica e das Igrejas ortodoxas não tinham realizado nenhum encontro desde o cisma de 1054. A primeira reunião aconteceu em 1964, quando o Papa Paulo VI se encontrou em Jerusalém com o Patriarca Ecumênico de Constantinopla, Atenágoras, e ambos levantaram as mútuas excomunhões que estavam em vigor havia 910 anos.

O diálogo foi se aprimorando cada vez mais a partir desse histórico reencontro. O Papa João Paulo II, um dos maiores propulsores do diálogo ecumênico e inter-religioso de todos os tempos, enfatizou com força a necessidade da “comunhão afetiva” antes de se chegar à “comunhão efetiva”.

O Papa Bento XVI viajou à Turquia em 2006 para visitar o Patriarca Ecumênico Bartolomeu, que retribuiu a visita em 2008 em plena festa de São Pedro e São Paulo: na ocasião, Papa e Patriarca deram uma homilia conjunta e rezaram juntos o credo em grego. No mesmo ano, Bartolomeu participou do Sínodo dos Bispos no Vaticano.

Em 2013, Bartolomeu compareceu à missa de inauguração do pontificado de Francisco, um fato inédito desde o cisma de 1054. Em 2014, Francisco e Bartolomeu repetiram o encontro de Paulo VI e Atenágoras para celebrar os 60 anos do encontro de Jerusalém. Pouco depois, Bartolomeu voltou a estar presente no Vaticano quando o Papa Francisco reuniu para um momento de oração os presidentes de Israel e da Palestina. Francisco ainda dedicou uma seção de sua encíclica Laudato Si’ aos ensinamentos de Bartolomeu sobre os cuidados que devemos ter com o meio ambiente. Em 2017, o Papa também se dispôs a alterar a data em que os católicos celebram a Páscoa, visando celebrá-la simultaneamente com os ortodoxos.

A tensa relação entre católicos e ortodoxos russos

Um dos mais importantes passos pendentes na aproximação entre as Igrejas ortodoxas e o catolicismo era o encontro entre um Papa e o Patriarca de Moscou.

Esse evento é particularmente importante devido ao grande peso da Igreja russa dentro do mundo ortodoxo: trata-se da mais numerosa das Igrejas ortodoxas autocéfalas, com cerca de 150 milhões de fiéis, praticamente a metade do total.

O encontro era dificultado principalmente por acusações de proselitismo dirigidas pelos ortodoxos russos aos católicos do país, embora apenas 1% dos russos sejam católicos.

As relações foram sendo aquecidas por encontros cada vez mais frequentes entre delegações das duas Igrejas.

Assim como seu antecessor, o Patriarca Kirill sempre se mostrou muito crítico no tocante à Igreja católica, mas, ao abrir o sínodo dos bispos ortodoxos russos em 2013, reconheceu “a necessidade de unir forças em defesa dos valores tradicionais cristãos e de se contrapor a algumas ameaças da modernidade, como a secularização agressiva, que ameaça as bases morais da vida social e privada, a crise dos valores da família e a perseguição e discriminação contra os cristãos no mundo”.

O longamente ansiado encontro entre um Papa e o Patriarca de Moscou finalmente aconteceu em fevereiro de 2016, quando Francisco e Kirill se reuniram em Havana durante a viagem apostólica do Papa a Cuba e ao México.

A tensa relação entre ortodoxos russos e ucranianos

Existem – ao menos até aqui – três grandes Igrejas Ortodoxas na Ucrânia.

A Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscou esteve sob a jurisdição russa desde 1686, por decisão do Patriarcado Ecumênico de Constantinopla.

A Igreja Ortodoxa Autocéfala Ucraniana é uma dissidência surgida em 1921, reinstalada em 1990 após a queda do comunismo soviético e liderada hoje pelo metropolita Macarius.

Por fim, a Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Kiev é outra dissidência, fundada em 1992 e hoje liderada pelo patriarca Filaret.

A decisão tomada neste mês pelo Patriarca Ecumênico Bartolomeu, de Constantinopla, reabilitou Filaret, Macarius e os fiéis das suas Igrejas, que estavam excomungados. Os dois grupos voltaram, assim, à plena comunhão com o Patriarcado Ecumênico.

Juntas, essas duas Igrejas têm cerca de 14,5 milhões de fiéis e, agora, devem unificar-se numa nova Igreja Ortodoxa autocéfala. Isto quer dizer que essa nova Igreja ortodoxa se torna totalmente independente do Patriarcado de Moscou e passa a ser reconhecida por toda a ortodoxia – com exceção do próprio Patriarcado de Moscou.

O atrito entre as Igrejas da Rússia e da Ucrânia tem natureza política.

O presidente russo Vladimir Putin enxerga no Patriarcado de Moscou um importante braço da sua influência sobre a Ucrânia, país com o qual a Rússia está em guerra. A ocupação da Crimeia pela Rússia em 2014 piorou a já difícil relação entre os países. Putin também vê na Igreja Ortodoxa Russa um fator crucial para a hegemonia cultural da Rússia no Leste Europeu – e o patriarca Kirill é visto internacionalmente como um importante aliado do mandatário.

Por outro lado, o presidente ucraniano Petro Poroshenko fomenta por motivos óbvios a independência da Igreja ortodoxa em seu país. Ele próprio encaminhou ao patriarca Bartolomeu, em abril, o pedido de autonomia. Em agosto, Bartolomeu informou a Kirill sobre a iminência da autocefalia a ser concedida à Ucrânia, o que levou a Igreja Ortodoxa Russa a não mais mencionar o nome do patriarca ecumênico durante a liturgia.

Na segunda semana de outubro, Bartolomeu reuniu o sínodo de sua Igreja e reiterou a decisão de conceder a autocefalia aos ucranianos, o que, para os russos, é particularmente difícil de aceitar porque o próprio berço do cristianismo russo é Kiev, a capital da Ucrânia moderna.

Por enquanto, o novo cisma é a nova realidade das relações entre essas Igrejas e povos irmãos.

]]>
https://portalconservador.com/em-pleno-2018-um-novo-cisma-abala-os-cristaos/feed/ 0 4278
A Rússia e os Sinais dos Tempos https://portalconservador.com/a-russia-e-os-sinais-dos-tempos/ https://portalconservador.com/a-russia-e-os-sinais-dos-tempos/#respond Tue, 01 Apr 2014 17:35:19 +0000 http://portalconservador.com/?p=667 read more →]]> Com os eventos na Ucrânia e a agitação geopolítica em torno das disputas entre os ideais russos e os ideais americanos, tem surgido nos meios religiosos muitos debates sobre o papel da Rússia na escatologia mundial e nos caminhos futuros do Cristianismo. Segundo as profecias de Nossa Senhora em Fátima, a Rússia seria a responsável por propagar “seus erros” pelo mundo – erros que, segundo os intérpretes, são os erros do comunismo. De fato, a Rússia foi palco da revolução comunista e também colaborou com o crescimento das ideias ateístas, irreligiosas e comunistas pelo mundo. A segunda parte da profecia fala sobre uma consagração da Rússia ao Sagrado Coração de Maria, que ocasionaria a conversão da Rússia e o arrependimento de seus pecados. Obviamente, por católicos romanos isso é visto como uma conversão do povo russo ao catolicismo ou a união da Igreja Ortodoxa Russa com o Vaticano. Pelos ortodoxos, obviamente, essa visão é tida como uma afronta e escárnio. Entre os ortodoxos, não há consentimento sobre a aparição de Fátima. Muitos não acreditam – mas alguns sim, como o Bispo Alexander (Mileant), de eterna memória. Portanto, é importante esclarecer alguns pontos relacionados aos antigos erros da Rússia, seu arrependimento e qual o papel da Rússia hoje.

A Revolução e as Profecias

Legítima ou não, a profecia de Nossa Senhora em Fátima não foi a primeira a falar sobre o comunismo na Rússia. Muitos santos e startsi ortodoxos russos falaram sobre a ascensão de um poder tirano na Rússia, como forma de castigo ao povo, que já não era mais digno de um governante ortodoxo. São João de Kronstadt, após uma visão, relatou o seguinte:

… a moral de todas as classes da sociedade russa está tremendamente fraca hoje em dia. A vida cotidiana está putrefata com todos os tipos de pecados – abandono da fé, ignorância das coisas de Deus, sacrilégio e, especialmente entre a elite educada, tudo está generalizado e banal, a depravação tornou-se um costume diário, a imprensa e a literatura estão repletas de sedução. Todos traíram ou estão traindo a Deus de uma forma ou de outra. Todos abandonaram o Senhor e Sua justa ira foi inflamada. Desastres Universais nos oprimem por nossos pesados pecados e pela iniquidade de todo o povo…

Portanto, muito antes de Fátima, São João já alertava sobre os perigos que a Rússia corria. Mais de quais pecados o santo falava? São João falava tanto dos pecados pessoais, aqueles cometidos por cada cristão ortodoxo, como também dos pecados coletivos, aqueles pecados que receberam o beneplácito do povo e assim plantaram as sementes da revolução. Isso pode ser visto não só de forma espiritual, mas também no caminhar da história. Quando a Rússia do Czar Pedro começou a abandonar os antigos costumes e a se afastar da mentalidade ortodoxa, o povo russo começou a se transformar – a fé diminuiu, a Rússia não era mais aquela Santa Rússia religiosa que assombrava até mesmo monges árabes e gregos que visitavam suas igrejas e mosteiros[1].

Mas o grande pecado que tem sua consequência saltando aos olhos daqueles que analisam a história e, fica cristalino quando analisamos o contexto da revolução, foi a abolição do Patriarcado, trocado por um Santo Sínodo liderado por um procurador geral, apontado pelo Czar. A ideia inicial de Pedro era ainda mais monstruosa: Pedro gostaria de ter criado a figura do Czar como o “bispo supremo”, mas só foi possível estabelecer o kollegia, o colégio de bispos para governar a Igreja. Aqui, a palavra kollegia, importada do sueco, demonstra o ideal de Pedro em copiar para a Rússia o modelo protestante de governo. Felizmente o kollegia foi logo substituído pelo Santo Sínodo, algo que ainda estava ligado ao ideal ortodoxo. Foi também na época de Pedro o Grande que a formação sacerdotal do clero passou a ser ocidentalizada, incluindo o idioma latino nos Seminários de Teologia[2]. Isso ocasionou a diminuição da vida monástica na Rússia, que decaiu ainda mais durante o reinado de Catarina II. Como o verdadeiro Cristianismo depende da vida monástica, conforme podemos ver no próprio Ocidente, com a Europa construída em torno dos ideais e trabalhos de São Bento, a Rússia começou a declinar espiritualmente.

Além do mais, foi a instituição do Santo Sínodo que jogou a hierarquia da Igreja contra o governo dos czares. Muitos hierarcas da Igreja Ortodoxa Russa na época da Revolução, como os mártires Metropolita Vladimir, Arcebispo André de Ufa e Arcebispo Serafim (Chichagov), felicitaram a revolução e a derrubada do Czar, pois não viam mais na figura do Czar a figura do autocrata ortodoxo, mas sim a figura de um tirano nos moldes do césaro-papismo ocidental. Os revolucionários se aproveitaram dessa divisão e souberam manipular a situação – graças ao choque causado pelas reformas de Pedro, a Rússia foi dividida.

Depois dessa reviravolta na mentalidade russa, diversas mudanças ocorreram na vida espiritual do povo: um novo estilo de iconografia, mais parecido com o realismo das representações ocidentais, foi iniciado no país; começaram a surgir movimentos em torno de renovações na vida eclesiástica que lançaram as sementes do futuro movimento renovacionaista, que chegou a ser a Igreja reconhecida pela URSS, uma falsa igreja que pregava a abolição total do monasticismo e a criação de um episcopado casado[3]; a diminuição da literatura espiritual, baseada em obras mais simples, práticas e ascéticas e o aumento da literatura mais acadêmica, principalmente em obras de criticismo histórico das Escrituras e da vida dos santos.

Quando o Czar-Mártir Nicolau II subiu ao trono, sua preocupação não era apenas restaurar o Patriarcado, mas sim reviver a antiga espiritualidade russa. Sob seu financiamento e tutela, as antigas escolas paroquiais voltaram a existir, ocorreu a substituição dos ícones no novo estilo por novos ícones segundo o estilo ortodoxo, várias obras espirituais como “O Peregrino” ganharam novas edições[4]. O Czar-Mártir, tido como sanguinário, atrasado e incompetente, na verdade tentou recolocar a Rússia em seu caminho. Mas por qual razão este esforço acabou em catástrofe? A resposta é simples: o povo não estava preparado. Os startsi afirmavam que a Rússia só seria capaz de se arrepender após o grande castigo. São João de Kronstadt disse na mesma profecia:

O mal cresceu na Rússia em proporções monstruosas e é praticamente impossível corrigi-lo”[5].

Segundo o ideal de governo ortodoxo, o autocrata ortodoxo não tem origem no desejo do povo, mas sim em seu merecimento em ser governado por um autocrata ortodoxo. Como na antiga Jerusalém, a Nova Jerusalém precisa ser digna de reis e sábios. O Abençoado Monge Serafim Rose dizia que nossa época é carente de startsi pois não merecemos mais os grandes startsi como o povo do passado. Como é dito em Oséias: “Não temos rei, porque não tememos ao Senhor”(Oséias 2:10). A piedade do Czar-Mártir não foi suficiente para salvar a Rússia. Foi preciso o sacrifício do Czar-Mártir pela Rússia para que a Rússia pudesse ser salva. O Czar teve na abdicação sua Gólgota e seu sacrifício foi necessário para salvar a Rússia. Como um novo Cristo, o Czar-Mártir se ofereceu como sacrifício, para que a Rússia não fosse totalmente destruída – vemos novamente o destino da Rússia ligado ao simbolismo da Aliança e da parúsia final. O sacrífico redentor do Czar feito pela Rússia é o começo, o renascimento da Rússia, que será marcado pela ressurreição de São Serafim de Sarov, que por sinal era profundamente ligado ao Czar-Mártir, marcará a ressurreição da Rússia. O Staretz Alexis do Eremitério de Zósima disse, em uma profecia: “O povo russo deve ser purificado do pecado através de grandes provas”[6]. Santo Anatólio de Optina também profetizou: “E o navio russo será estraçalhado em pedaços. Mas as pessoas poderão ser salvas até mesmo nos cacos e fragmentos. E nem tudo perecerá. Devemos orar, todos devemos nos arrepender e orar com fervor”[7].

Entretanto, qual o significado desse arrependimento? O Metropolita João (Snichev) escreveu em sua obra Как подготовиться и провести Великий пост (Como se preparar e passar a Grande Quaresma): “Ai de nós, buscamos por desculpas, buscamos razões pelos acontecimentos em todo canto, nas condições históricas desfavoráveis, nos líderes das traições, nas falhas dos nossos próximos, nas influências externas – mas não em nós mesmos! A verdade é totalmente zombada – de Deus não se zomba! Com nossos vícios e paixões, como o desejo de poder e vaidade, inveja e hipocrisia, arrogância, insolência e falta de fé – causamos todos estes problemas! Sim, a maléfica sede de poder é a nossa destruição e tem no mundo moderno grande poder e autoridade. Sim, ela foi criada com séculos de experiência na destruição, na arte diabólica do engano. Mas isso não é desculpa! Quem não sente o pecado é fatal e imensamente enganado. Todos somos culpados… Lembre-se disso: sem arrependimento não há purificação – não há renascimento da alma, não há! Ela perece.”[8]

Portanto, os santos russos estavam conscientes dos pecados da Rússia e também de seu caminho para o arrependimento. Além do mais, o sangue dos Novos Mártires e Confessores da Rússia, que correu por todo o território russo como testemunho do Cristianismo contra a autoridade soviética, serve não só de exemplo cristão como também demonstra que o Cristianismo na Rússia nunca morreu. Ele foi para as catacumbas, foi para a prisão, para o gulag, para a tortura – mas não deixou de existir e de testemunhar. Há nos dias de hoje, principalmente em círculos católicos ligados à aparição de Fátima, a ideia de que o comunismo só floresceu na Rússia pela falência completa da Igreja Ortodoxa Russa. Em momento algum, na profecia de Fátima, é dito que a Rússia está morta espiritualmente. É dito, como nas profecias dos startsi, um alerta sobre os erros da Rússia.

O Renascimento da Rússia

Qual o significado do renascimento da Rússia? Qual Rússia deverá renascer? O que é a Rússia, afinal? Conforme já compreendemos nas profecias dos startsi, a Rússia que deverá renascer não é a Rússia enquanto uma grande potência militar e contraponto da civilização ocidental. A Rússia vista pelos startsi é semelhante ao renascimento espiritual que começava a ocorrer na época das reformas do Czar-Mártir Nicolau II mas, dessa vez, não haverá falha no renascimento. Se na época do Czar o povo ainda estava carregado pelo pecado e precisava do sacrifício do Czar pelos seus pecados, a futura Rússia renascida terá um ambiente favorável, estará pronta espiritualmente para um renascimento pleno e, no lugar do chicote da ditadura soviética, enviada como um castigo, receberá um Czar piedoso e da dinastia Romanov. Alguém pode perguntar como isso é possível, devido ao fato da Rússia ainda estar impregnada de erros advindos da URSS, como o ateísmo, o aborto e tantos outros problemas. Mas a resposta fica clara quando analisamos a história da Igreja: arianismo e iconoclasmo quase tomaram a Igreja de assalto, mas no final foram derrotados. A Igreja nasceu em meio às perseguições e resistiu – logo no começo do Apocalipse vemos o que a heresia dos nicolaítas fazia entre os cristãos do I século, por exemplo.

De fato, o governo russo atualmente toma algumas medidas conservadoras e favoráveis à Igreja Ortodoxa, mas ainda não contribui nem participa do arrependimento do povo russo. O arrependimento ocorrerá através do povo, pela sua reforma em piedade, qualquer confusão disso com o renascimento da Rússia enquanto potência no cenário da política externa é mera má intenção da politicagem.

Há ainda outros fatores mais assombrosos quanto às profecias do renascimento da Rússia, como a ressurreição de São Serafim de Sarov, conforme mencionamos acima, profetizada pelo próprio santo staretz – algo que confirma a Rússia como um ponto chave no cenário escatológico. Uma terra que foi capaz de espalhar grandes erros, também é capaz de grande arrependimento. Assim como a história do povo da primeira aliança, o povo judeu, marcada por grandes pecados e grandes arrependimentos, até a destruição final do tempo, a Rússia, que já foi chamada de Nova Jerusalém, Terceira Roma e Santa Rússia, também possui seu papel na nova escatologia. Assim como cada aspecto do Velho Testamento era uma prefiguração para a Nova Aliança, o fim do Templo e a diáspora do povo eleito também foram prefigurações da futura Nova Aliança, a da Rússia. Isso fica ainda mais evidente quando notamos que, nas profecias dos startsi, a Rússia renascida logo será destruída, como um dos últimos passos do mundo terreno – novamente notamos uma semelhança com a encarnação de Cristo, que veio primeiro para o povo eleito e arrebanhou alguns deles para a salvação e foi sacrificado por este mesmo povo e assim o Templo foi destruído pela última vez.

A curiosidade em torno do renascimento da Rússia é algo assustador, mas é muito claro que tal agitação gira em torno exclusivamente quanto aos resultados dos conflitos militares atuais; coisas distantes das preocupações dos realmente interessados no renascimento espiritual da Rússia. O aspecto simbólico dos acontecimentos é simplesmente esquecido, em troca de uma torcida fanática, como se a conquista de um território fosse um grande sinal espiritual.

A batalha espiritual não se dá no campo político. O campo político é apenas um reflexo da tensão presente na batalha miguélica contra o exército luciferianos e, conforme notamos no desenrolar de todos os eventos, muitas vezes os reflexos desta batalha no campo políticos são meras artimanhas do exército do maligno, enquanto as forças miguélicas ficam de fora deste embate terreno.

Escrito por Rafael Daher. Blog pessoal.

***
Notas

[1] cf. Travels of Macarius, Patriarch of Antioch, Vol. VII. Archdeacon Paul of Aleppo. London, The Oriental Translation Fund, 1836.
[2] cf. История Русской Церкви. 1700–1917 гг. Игорь Корнильевич, Ed. Издательство Спасо-Преображенского Валаамского монастыря. Ed. 1997
[3] cf. Современное обновленчество – протестантизм “Восточного обряда”, Сборник. / Сост. Н. Каверин. Ed. ОДИГИТРIЯ. 1996.
[4] cf. The New Martyrs of Russia, Archpriest Michael Polsky. Ed. Monastery Press. 2000.
[5] cf. Иерею Божию. Из трудов Святого Праведного Иоанна Кронштадтского. Ed. Отчий дом, 2011.
[6] Em The Orthodox Word, 1981, No. 100
[7] Em Orthodox Russia, 1970, No. 1
[8] Disponível online em http://lib.pravmir.ru/library/book/1456

]]>
https://portalconservador.com/a-russia-e-os-sinais-dos-tempos/feed/ 0 667
Igreja ortodoxa, Estado e sociedade https://portalconservador.com/igreja-ortodoxa-estado-e-sociedade/ https://portalconservador.com/igreja-ortodoxa-estado-e-sociedade/#respond Sat, 22 Mar 2014 20:22:18 +0000 http://portalconservador.com/?p=2247 read more →]]> Em uma conversa sobre a Igreja ortodoxa russa, cerca de doze anos atrás, aquela minha famosa fonte que só pode ser citada em sigilo, o oficial sênior do Vaticano, me disse o seguinte: “Eles só sabem ser capelães do czar, seja quem for o czar”. Essa aspereza refletia a profunda frustração com a contínua rudeza do patriarcado ortodoxo russo de Moscou (ou crueldade, diriam alguns) para com João Paulo II, além do seu péssimo hábito de jogar areia nas engrenagens do diálogo ortodoxo-católico internacional.

O meu interlocutor certamente sabia que havia exceções à sua regra: homens como o falecido Pe. Alexander Men, assassinado a machadadas em 1990, quase com certeza porque os políticos e altos clérigos ortodoxos russos temiam que esse filho de família judaica pudesse, na Rússia pós-soviética e livre, ajudar a criar uma nova relação entre as autoridades religiosas e as autoridades políticas; homens como o Pe. Gleb Yakunin, um dos fundadores do Comitê Cristão para a Defesa dos Direitos dos Crentes, que, precisamente por isso, teve de enfrentar o gulag; e homens como os padres do interior da Rússia, que, desde 1991, com o colapso da União Soviética, estiveram reconstruindo a ortodoxia russa nas áreas rurais, alma por alma.

Apesar disso, também havia duras verdades naquele comentário do oficial sênior do Vaticano. A Igreja ortodoxa russa esteve no encalço do poder político durante séculos. Sua história no século XX foi particularmente infeliz. Os bolcheviques odiavam os sacerdotes piedosos: Lenin e seus sucessores esmagaram implacavelmente a autêntica vida religiosa ortodoxa russa, que era expressão de uma grande tradição espiritual e teológica. A lista dos mártires ortodoxos do comunismo é longa e nobre. Mais tarde, Stalin reabilitou a Igreja ortodoxa em sua campanha nacionalista russa subsequente à invasão alemã de junho de 1941; assim, a liderança da ortodoxia russa, o patriarcado de Moscou, se tornou uma subsidiária integral do regime soviético, especificamente da sua polícia secreta, a KGB. Os patriarcas de Moscou eram altos oficiais da KGB. O atual patriarca, Kirill, começou a sua carreira como representante da Igreja ortodoxa no Conselho Mundial de Igrejas em 1971, quando tinha apenas 25 anos de idade. Este é um sinal claro de filiação à KGB.

Nos últimos anos, Kirill e seu “ministro das Relações Exteriores”, o metropolita Hilarion, têm sido porta-vozes dos esforços do presidente russo Vladimir Putin para reconstituir algo parecido com a velha União Soviética, em nome de um “espaço russo histórico”. Este processo avançou de forma particularmente grave na crise da Ucrânia. Ao mesmo tempo, eles realizaram uma campanha de sedução no Vaticano e entre os americanos protestantes evangélicos, supostamente a serviço de uma frente unida contra a decadência ocidental e o secularismo.

Mas, pelas ironias da história (ou pelos estranhos caminhos da Providência Divina), a crise na Ucrânia, em que Kirill foi tão dúbio quanto Hilarion foi mentiroso, pode ter iniciado uma ruptura nesse jogo histórico em que, no meio dos eslavos orientais, a ortodoxia russa andou se comportando como um cãozinho obediente ao poder autoritário.

Quando o povo da Ucrânia se levantou contra o governo cleptocrático e despótico de Viktor Yanukovich, no ano passado, dentro de um movimento de renovação moral e cívica nacional simbolizado pela Praça Maidan, as Igrejas ortodoxas ucranianas enfrentaram uma escolha dramática: solidarizar-se pastoralmente com o povo ou ficar do lado do Estado que reprimia brutalmente os cidadãos-reformadores ucranianos?

A Igreja greco-católica ucraniana, a maior das Igrejas orientais católicas (bizantina em liturgia e organização eclesial, mas em plena comunhão com o bispo de Roma), não enfrentou esse dilema: afinal, ela já era um depósito seguro da consciência nacional da Ucrânia e, no período pós-soviético, dedicou a sua vida pública à construção da sociedade civil ucraniana. Já as Igrejas ortodoxas da Ucrânia tiveram que encarar a histórica encruzilhada: Estado ou sociedade civil?

As escolhas não ficaram livres de ambiguidades. Mas as evidências, até agora, são de que vários líderes e crentes ortodoxos ucranianos optaram por ficar do lado da sociedade civil, rejeitando o apoio do patriarcado de Moscou ao grande nacionalismo russo de Putin. Se este novo alinhamento durar, ele pode levar a uma revolução capaz de mudar a história nos entendimentos ortodoxos sobre as relações adequadas entre Igreja, Estado e sociedade: uma revolução que, entre outros resultados, honraria a memória dos mártires da ortodoxia do século XX.

]]>
https://portalconservador.com/igreja-ortodoxa-estado-e-sociedade/feed/ 0 2247