revolução – Portal Conservador http://portalconservador.com Maior Portal dirigido ao público Conservador em língua portuguesa. Thu, 18 Jan 2018 00:47:52 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.9.3 65453639 Por que George Soros financia movimentos de esquerda? Entenda http://portalconservador.com/por-que-george-soros-financia-movimentos-de-esquerda-entenda/ http://portalconservador.com/por-que-george-soros-financia-movimentos-de-esquerda-entenda/#comments Sat, 27 Aug 2016 23:24:14 +0000 http://portalconservador.com/?p=2969 read more →]]> O casamento aparentemente contraditório entre um bilionário capitalista com grupos de esquerda desperta a seguinte pergunta: como um bilionário capitalista, especulador no mercado financeiro, decidiu financiar grupos de esquerda?

Recentemente, tivemos um fato marcante que nos ajudaria a entender a realidade do mundo atual e, para variar, passou batido pela grande mídia: o vazamento de informações da fundação do bilionário George Soros, Open Society Foundation, a qual doa milhares de dólares para organizações de pauta esquerdista (progressista). Até 25 de agosto, a lista completa dos documentos e das organizações de esquerda financiadas por Soros estava aqui (fonte primária).

Para quem acompanha os textos de Olavo Carvalho (aqui) e Flávio Morgenstern, esse casamento entre os metacapitalistas e as esquerdas não traz grandes surpresas, pelo contrário, é perfeitamente compatível com os movimentos progressistas de hoje.

De acordo com o intelectual Flávio Morgenstern (em ótimo Podcast sobre o tema, no qual resumo parte das ideias abaixo), para compreender o casamento entre George Soros e grupos de esquerda, é fundamental entender quais são os objetivos da esquerda hoje e o que é Globalismo, fenômeno muito debatido no mundo, mas pouco discutido no Brasil.

Segundo Morgenstern, o grande objetivo da esquerda é um mundo de paz entre as pessoas. Assim, para se alcançar a PAZ, na lógica esquerdista, seria necessário um Estado forte, além das fronteiras de um país, capaz de destruir todas as fontes de desigualdades na sociedade, seja ela racial, sexual ou até de renda. Mais do que isso, se tivéssemos um Estado com controle absoluto sobre a sociedade, acima das forças locais de um país, não haveria motivos para as nações entrarem em guerra. E é exatamente aí que entra o Globalismo de George Soros.

george-soros-portal-conservador

Teoria da conspiração? O brilhante filósofo inglês, Roger Scruton (ver obra Como ser um Conservador) nos diz que não. Segundo ele, a União Europeia foi criada justamente para ser um Estado acima dos governos locais a fim de evitar mais guerras na Europa. O ponto chave é que a união entre os povos não ocorreu de maneira espontânea, popular, de baixo para cima, mas imposta por uma agenda globalista onde as pessoas comuns não se vêm representadas pelas novas normas e leis impostas para a sociedade pelos burocratas de Bruxelas. A saída do Reino unido da União Europeia (Brexit) só mostrou este descontentamento popular com a agenda globalista.

Se de um lado, a União Europeia é um exemplo real que nos ajuda a entender o Globalismo; por outro, a relação entre o financiamento dos globalistas (George Soros) com movimentos de esquerda não parece ser tão óbvia. Por que a Fundação de George Soros financia ONGs, “coletivos” e movimentos que defendem ideologias que hoje caracterizam a nova esquerda (new left): feminismo, ideologia de gênero, black lives matter, gaysismo, abortismo, legalização das drogas, livres fronteiras para imigração, desarmamentismo, descriminalização da pedofilia, etc?

A razão é simples, muitos destes movimentos de esquerda não são necessariamente contra o capitalismo de George Soros, mas contra valores e princípios conservadores, base da civilização ocidental, que representam obviamente uma resistência aos anseios globalistas das famílias Soros, Rockfeller, Ford, entre outras.

Uma hipótese plausível é que para estes metacapitalistas colarem em prática seu projeto de governo global – novamente, tema amplamente discutido no primeiro mundo – é necessário enfraquecer qualquer resistência a esse super governo. Evidentemente que todos os elementos defendidos pela direita, principalmente pelos conservadores, são uma resistência ao poder global, tais como a família, a religião judaico-cristã, os poderes locais, o respeito às tradições, aos costumes e à liberdade individual. Por exemplo, é muito difícil um governo moldar um comportamento numa sociedade em que os valores são transmitidos pela família ou pelo convívio social, e não pelo Estado. Na mesma linha, é quase impossível um governo impor sua agenda diante de costumes e tradições tão enraizadas na sociedade. Em outras palavras, estes elementos conservadores representam uma resistência a qualquer tentativa de CONTROLE de governos sobre a sociedade civil.

Por isso, que é perfeitamente compreensível que George Soros, um super capitalista, financie agendas progressistas mundo afora: os movimentos de esquerda de hoje lutam contra princípios conservadores, que são elementos de resistência ao projeto globalista de George Soros. Mais do que isso, muitos destes movimentos progressistas não lutam pelos mais oprimidos, mas se vendem como bem-intencionados, politizando problemas de fato reais, para imporem sua ideologia sobre a sociedade. Por exemplo, é evidente que existe machismo em diversas partes do mundo; o problema é politizar o tema para impor uma ideologia e um CONTROLE sobre a sociedade, transformando todo homem num potencial machista e toda mulher numa potencial vítima. Em outras palavras, por meio de uma guerra de narrativas, exploram-se ressentimentos para imporem uma agenda antiliberal e anticonservadora sobre a sociedade, financiada com o dinheiro de Soros.

Por fim, será que é mera coincidência que uma pessoa adepta da ideologia de gênero defenda também o desarmamento da sociedade civil, o aborto, o poliamor, ridicularize o cristianismo e admire o Obama? Por que será que é tão previsível saber a opinião dos Gregórios Duviviers e dos cools da Vila Madalena e do Leblon sobre imigração, legalização das drogas, aborto, cotas, etc? Por que será que tantas pessoas pensam em bloco sobre todos estes temas? Não sei. Talvez George Soros saiba a resposta.


Escrito por Alan Ghani.

]]>
http://portalconservador.com/por-que-george-soros-financia-movimentos-de-esquerda-entenda/feed/ 4 2969
O que é o socialismo fabiano – e por que ele importa http://portalconservador.com/o-que-e-o-socialismo-fabiano-e-por-que-ele-importa/ http://portalconservador.com/o-que-e-o-socialismo-fabiano-e-por-que-ele-importa/#comments Sun, 06 Mar 2016 22:31:54 +0000 http://portalconservador.com/?p=2800 read more →]]> Antes da Revolução Russa, o Partido Comunista tinha duas alas: Bolchevique e Menchevique. Os Bolcheviques acreditavam na imediata imposição do socialismo por meios violentos, com confisco armado das propriedades, das fábricas, e das fazendas, e o assassinato dos burgueses e reacionários que porventura oferecessem resistência. Já os Mencheviques (que também se auto-rotulavam social-democratas) defendiam uma abordagem mais gradual, não-violenta e não-revolucionária para o mesmo objetivo. Para estes, a liberdade e a propriedade deveriam ser abolidas pelo voto da maioria.

Os Bolcheviques venceram a Revolução Russa e implantaram o terror. No entanto, após cometerem crimes inimagináveis, eles praticamente desapareceram do cenário. Já os Mencheviques, no entanto, não apenas seguem vivos como também se fortaleceram e se expandiram, e estão no poder de boa parte dos países democráticos. Os mencheviques modernos seguem, em sua essência, as mesmas táticas dos Mencheviques russos: em vez de abolirem a propriedade privada e a economia de mercado, como queriam os Bolcheviques, os atuais mencheviques entenderam ser muito melhor um arranjo em que a propriedade privada e o sistema de preços são mantidos, mas o estado mantém os capitalistas e uma truncada economia de mercado sob total controle, regulando, tributando, restringindo e submetendo todos os empreendedores às ordens do estado.

Socialismo-fabiano-Portal-Conservador

Para os mencheviques atuais, tradições burguesas como propriedade privada e economia de mercado devem ser toleradas, mas a economia tem de ser rigidamente regulada e tributada. Políticas redistributivistas são inegociáveis. Uma fatia da renda dos indivíduos produtivos da sociedade deve ser confiscada e redistribuída para os não-produtivos. Grandes empresários devem ser submissos aos interesses do regime e, em troca, devem ser beneficiados por subsídios e políticas industriais, e também protegidos por tarifas protecionistas. Acima de tudo, cabe aos burocratas do governo — os próprios mencheviques — intervir no mercado para redistribuir toda a riqueza e manter a economia funcionando de acordo com seus desígnios.

No entanto, a estratégia menchevique não se resume à economia. A questão cultural é tão ou mais importante. Para os mencheviques atuais, a cultura burguesa deve ser substituída por uma nova mentalidade condicionada ao modo de pensar social-democrata, e a estratégia para isso consiste na imposição lenta e gradual de uma revolução cultural.

Os mencheviques, fiéis ao seu ideal “democrático”, sempre se sentiram desconfortáveis com a ideia de revolução, preferindo muito mais a “evolução” gradual produzida pelas eleições democráticas. O estado deve ser totalmente aparelhado por intelectuais partidários e simpatizantes, de modo a garantir uma tomada hegemônica das instituições culturais e sociais do país. Daí a desconsideração pelos gulags e pela revolução armada.

 

Como tudo começou

As raízes do menchevismo atual não estão na Rússia de Lênin, mas sim na Londres de 1883, quando um grupo de socialistas adeptos do gradualismo fundou a Sociedade Fabiana. Liderada por um cidadão chamado Hubert Bland, os mais famosos membros da sociedade eram o dramaturgo George Bernard Shaw, os autores Sidney e Beatrice Webb, e o artista William Morris.

A Sociedade Fabiana tem este nome em homenagem a Quintus Fabius Maximus, político, ditador e general da República Romana (275-203 a.C.) que conseguiu derrotar Aníbal na Segunda Guerra Púnica adotando a estratégia de não fazer confrontos diretos e em larga escala (nos quais os romanos haviam sido derrotados contra Aníbal), mas sim de incorrer apenas em pequenas e graduais ações, as quais ele sabia que podia vencer, não importa o tanto que ele tivesse de esperar.

Em suma, Quintus Fabius Maximus era um estrategista militar que evitava qualquer confrontação aberta e decisiva; em vez disso, ele preferia fatigar seus oponentes com táticas procrastinadoras e cansativas, manobras enganadoras e assédios contínuos.

Fundada exatamente no ano da morte de Marx com o intuito de promover as idéias do filósofo alemão por meio do gradualismo, a Sociedade Fabiana almejava “condicionar” a sociedade, como disse a fabiana Margaret Cole, por meio de medidas socialistas disfarçadas. Ao atenuar e minimizar seus objetivos, a Sociedade Fabiana tinha o intuito de não incitar os inimigos do socialismo, tornando-os menos combativos.

Ao contrário dos revolucionários marxistas, os socialistas fabianos conheciam muito bem o funcionamento das políticas públicas britânicas. Sendo os especialistas originais, eles fizeram várias pesquisas, elaboraram planos, publicaram panfletos e livros, e criaram várias propostas legislativas, sempre contando com a ajuda de aliados nas universidades, igrejas e jornais. Eles também treinaram oradores, escritores e políticos. Sidney Webb foi além e fundou a London School of Economics em 1895 para ser o quartel-general desse trabalho.

Embora a Sociedade Fabiana jamais houvesse tido mais do que 4.000 membros, foram eles que criaram, promoveram e conduziram pelo Parlamento a maior parte das políticas sociais britânicas até o início da década de 1980. O resultado foi uma economia em frangalhos e uma sociedade esclerosada, situação esta que só começou a ser revertida quando Margaret Thatcher começou a “desfabianizar” a Inglaterra.

Os fabianos foram bem-sucedidos em seu objetivo de criar um “estado provedor”, um estado assistencialista que cuidaria não apenas dos pobres, mas também da classe média, do berço ao túmulo. Seja na forma de compensações trabalhistas, ou de pensões e aposentadorias, seguro-desemprego e medicina socializada, os fabianos sempre enfatizaram a “reforma social”. Segundo o escritor John T. Flynn, os fabianos

Perceberam prematuramente o imenso valor das reformas sociais em acostumar os cidadãos a ver o estado como a ferramenta para curar todas as suas doenças e inquietudes. Eles viram que uma agitação em prol de um estado assistencialista poderia se tornar o veículo ideal para incutir idéias socialistas nas mentes do cidadão comum.

Outra inovação fabiana: reformas sociais invariavelmente envolviam algum tipo de “seguridade”. As pessoas seriam induzidas a aceitar o socialismo caso este fosse apresentado por meio de modelos oriundos das ciências atuariais, tendo empresas de seguro como base.

Empresas de seguro genuínas, baseando-se em estatísticas de distribuição aleatória de acidentes, coletam dinheiro de seus segurados na forma de um consórcio e concentram-no em um fundo, desta forma tornando o mundo menos incerto para seus membros. Os fabianos, muito espertamente, pegaram esse modelo e disseram: concentremos a riqueza de todos nas mãos do estado e seremos felizes, saudáveis e teremos uma vida melhor.

Aneurin Bevan, o ministro da saúde fabiano do governo trabalhista dos pós-guerra, que criou o National Health Service — o sistema estatal de saúde britânico (veja algumas notícias recentes da saúde britânica estatal aqui, aqui, aqui e aqui) —, chegou realmente a argumentar que tal modelo iria drasticamente aumentar a expectativa de vida de todos, chegando ao ponto de postergar a morte indefinidamente.

Mas a verdadeira visão fabiana do estado foi mais bem explicitada no livro de Sidney e Beatrice Webb intitulado Soviet Communism: A New Civilization?, publicado em 1935 (o ponto de interrogação foi removido do título após a primeira edição). O livro glorificava a URSS de Stalin como se fosse virtualmente um paraíso na terra.

Como marxistas, embora de uma outra estirpe, os Webbs aprovavam o stalinismo — se não os meios, os fins. “Os fabianos eram, de uma certa forma, marxistas mais bem treinados do que o próprio Marx”, disse Joseph Schumpeter. Que continuou:

Concentrar-se nos problemas que podem ser alterados por métodos políticos práticos, adaptar-se à evolução das questões sociais, e deixar o objetivo supremo ser alcançado automaticamente [por meio da alteração cultural das massas] é algo que está muito mais de acordo com a doutrina fundamental de Marx do que a ideologia revolucionária que ele próprio propôs.

 

Conclusão

No linguajar fabiano, impostos são “contribuições”, gastos do governo são “investimentos”, criticar o governo é “entreguismo” ou “falta de patriotismo”, donos de propriedades são “elites”, “reacionários” e “privilegiados”, e “mudança” significa ” socialismo”. Quando os atuais social-democratas pedem “sacrifícios” da população em prol dos “ajustes” do governo, tenha em mente que os fabianos diziam exatamente o mesmo, defendendo, segundo as próprias palavras de Beatrice Webb, a “transferência” da “emoção do serviço sacrificante” de Deus para o estado.

Para os fabianos, o estado (seus burocratas e toda a sua mentalidade) é o único deus por quem a população deve se sacrificar. Por fim, vale ressaltar que o desaparecimento dos bolcheviques nunca foi lamentado pelos social-democratas fabianos. Muito pelo contrário: os social-democratas fabianos agora detêm o monopólio da marcha “progressista” da história rumo à Utopia.

A janela de vidro pintada que adorna a casa de Beatrice Webb em Surrey, Inglaterra, mostra George Bernard Shaw e Sidney Webb remodelando o mundo com uma bigorna, tendo ao fundo o brasão da Sociedade Fabiana: um lobo em pele de cordeiro. Aquele lobo está hoje entre nós.

Escrito por Lew Rockwell. Instituto Ludwig von Mises Brasil.

]]>
http://portalconservador.com/o-que-e-o-socialismo-fabiano-e-por-que-ele-importa/feed/ 1 2800
Ditadura do proletariado em Gotham City http://portalconservador.com/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city/ http://portalconservador.com/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city/#comments Sun, 09 Feb 2014 01:02:28 +0000 http://portalconservador.com/?p=265 read more →]]> Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge confirma mais uma vez como os blockbusters de Hollywood são indicadores precisos da situação ideológica da nossa sociedade. A narrativa (resumida) se dá da seguinte maneira. Oito anos depois dos eventos de Batman – O Cavaleiro das Trevas, capítulo anterior da saga Batman, a lei e a ordem prevalecem em Gotham City: sob os extraordinários poderes do Ato Dent, o comissário Gordon praticamente erradicou o crime violento e organizado. No entanto, ele se sente culpado pela cobertura dos crimes de Harvey Dent (Dent morreu ao tentar matar o filho de Gordon, salvo por Batman, que assumiu a culpa em nome da manutenção do mito de Dent, levando a uma demonização de Batman como vilão de Gotham) e planeja admitir a conspiração em um evento público de celebração a Dent, mas acaba concluindo que a cidade não está preparada para a verdade. Bruce Wayne, que não atua mais como Batman, vive isolado na própria mansão enquanto sua empresa desmorona depois de ter investido em um projeto de energia limpa criado para aproveitar a energia nuclear, mas encerrado quando ele descobriu que o núcleo poderia ser transformado em uma bomba. A lindíssima Miranda Tate, membra do conselho administrativo da Wayne Enterprises, convence Wayne a refazer a sociedade e continuar com seus trabalhos filantrópicos.

Aqui entra o (primeiro) vilão do filme: Bane, líder terrorista e antigo membro da Liga das Sombras, consegue a cópia do discurso de Gordon. Depois que as tramas financeiras de Bane quase levam a empresa de Wayne à falência, Wayne confia a Miranda a tarefa de controlar seus negócios, além de ter com ela um breve caso amoroso. (Nesse aspecto ela compete com a gata-ladra Selina Kyle, que rouba dos ricos para redistribuir a riqueza, mas acaba se juntando a Wayne e às forças da lei e da ordem.) Ao descobrir a movimentação de Bane, Wayne retorna como Batman e confronta Bane, que afirma ter assumido a Liga das Sombras após a morte de Ra’s Al Ghul. Depois de deixar Batman gravemente ferido em um combate corpo a corpo, Bane o coloca numa prisão de onde é praticamente impossível fugir. Seus companheiros de prisão contam para Wayne a história da única pessoa que conseguiu escapar: uma criança motivada pela necessidade e pela mera força de vontade. Enquanto o prisioneiro Wayne se recupera dos ferimentos e se prepara para ser Batman de novo, Bane consegue transformar Gotham City em uma cidade-Estado isolada. Primeiro ele atrai para o subsolo a maior parte dos policiais de Gotham e os prende lá; depois provoca explosões que destroem a maioria das pontes que conectavam Gotham City ao continente, anunciando que qualquer tentativa de deixar a cidade resultaria na detonação do núcleo de Wayne, do qual se apoderou e transformou em uma bomba.

O_Cavaleirodastrevas_ressurge

Chegamos então ao momento crucial do filme: a tomada de poder por parte de Bane acontece junto com uma vasta ofensiva político-ideológica. Bane revela publicamente o acobertamento da morte de Dent e liberta os prisioneiros detidos pelo Ato Dent. Condenando os ricos e poderosos, ele promete devolver o poder ao povo, convocando as pessoas comuns a “tomarem a cidade de volta” – Bane revela-se como “o manifestante definitivo do Occupy Wall Street, convocando os 99% a se juntarem para derrubar as elites sociais”[1]. Segue-se então a ideia do filme de poder do povo: uma sequência mostra  uma série de julgamentos e execuções dos ricos, as ruas tomadas pelo crime e pela vilania… alguns meses depois, enquanto Gotham City continua sofrendo o terror popular, Wayne consegue fugir da prisão, retorna a Gotham como Batman e convoca os amigos para ajudá-lo a libertar a cidade e desarmar a bomba nuclear antes que ela exploda. Batman confronta e domina Bane, mas Miranda intervém e apunhala Batman – a benfeitora social revela-se como Talia al Ghul, filha de Ra’s: foi ela que escapou da prisão quando criança e foi Bane que a ajudou a fugir. Depois de comunicar seu plano de terminar a tarefa do pai de destruir Gotham, Talia foge. Na confusão que se segue, Gordon destrói o dispositivo que permitia a detonação remota da bomba enquanto Selina mata Bane, permitindo que Batman vá atrás de Talia. Ele tenta forçá-la a levar a bomba para a câmara de fusão onde pode ser estabilizada, mas Talia inunda a câmara. Talia morre quando seu caminhão bate, confiante de que a bomba não pode ser detida. Usando um helicóptero especial, Batman transporta a bomba para além dos limites da cidade, onde ela explode sobre o oceano e supostamente o mata.

Agora Batman é celebrado como um herói cujo sacrifício salvou Gotham City, enquanto Wayne é tido como morto nos motins. Após seus bens serem divididos, Alfred vê Bruce e Selina juntos em um café em Florença, enquanto Blake, jovem policial honesto que conhecia a identidade de Batman, herda a Batcaverna. Em suma, “Batman salva a situação, aparece incólume e continua com uma vida normal, enquanto outro o substitui no papel de defender o sistema”[2]. A primeira pista dos fundamentos ideológicos desse final é dada por Gordon, que, no (suposto) enterro de Wayne, lê as últimas linhas de Um conto de duas cidades, de Dickens: “Esta é, sem dúvida, a melhor coisa que faço e que jamais fiz; este é, sem dúvida, o melhor descanso que terei e que jamais tive”. Alguns críticos do filme interpretaram essa citação como um indício de que o filme “atinge o nível mais nobre da arte ocidental. O filme apela para o centro da tradição norte-americana – o ideal do nobre sacrifício pelo povo comum. Batman deve se humilhar para ser exaltado e renunciar à própria vida para encontrar uma nova. […] Como máxima figura de Cristo, Batman sacrifica a si para salvar os outros”[3].

Dessa perspectiva, com efeito, Dickens está apenas a um passo de distância de Cristo no Calvário: “Pois aquele que quiser salvar a sua vida, vai perdê-la, mas o que perder a sua vida por causa de mim, vai encontrá-la. De fato, que aproveitará ao homem se ganhar o mundo inteiro mas arruinar a sua vida?” (Mt 16:25-26 da Bíblia de Jerusalém). O sacrifício de Batman como repetição da morte de Cristo? Essa ideia não seria comprometida pela última cena do filme (Wayne com Selina em um café em Florença)? O equivalente religioso desse final não seria a conhecida ideia blasfema de que Cristo realmente sobreviveu à crucificação e teve uma vida longa e pacífica (na Índia, ou talvez no Tibete, de acordo com algumas fontes)? A única maneira de remir essa cena final seria interpretá-la como um devaneio (alucinação) de Alfred, que se senta sozinho em um café em Florença. Outra característica dickensiana do filme é a queixa despolitizada sobre a lacuna entre ricos e pobres – no início do filme, Selina sussurra para Wayne enquanto eles dançam em um baile exclusivo da elite: “Está vindo uma tempestade, sr. Wayne. É melhor que estejam preparados. Pois quando ela chegar, todos se perguntarão como acharam que poderiam viver com tanto e deixar tão pouco para o resto”. Nolan, como todo bom liberal, está “preocupado” com essa disparidade e reconhece que essa preocupação impregnou o filme:

O que vejo do filme relacionado ao mundo real é a ideia de desonestidade. O filme inteiro trata da chegada do seu ponto crítico. […] A ideia de justiça econômica perpassa o filme, e por duas razões. Primeiro, Bruce Wayne é um bilionário. Isso tem de ser levado em conta. […] E segundo, há muitas coisas na vida, e a economia é uma delas, em que precisamos confiar em grande parte do que nos dizem, pois a maioria de nós se sente desprovida das ferramentas analíticas para saber o que está acontecendo. […] Não acho que existe uma perspectiva de direita ou de esquerda no filme. Ele faz apenas uma avaliação honesta, ou uma exploração honesta, do mundo em que vivemos – de coisas que nos preocupam.[4]

O_Cavaleirodastrevas_ressurge02

Para todos os participantes, inclusive Batman, a moralidade é relativizada, torna-se uma questão de conveniência, algo determinado pelas circunstâncias (Divulgação)

Por mais que os espectadores saibam que Wayne é extremamente rico, eles tendem a se esquecer de onde vem a riqueza dele: fabricação de armas e especulação financeira, e é por isso que as jogadas de Bane na Bolsa de Valores podem destruir seu império – traficante de armas e especulador, esse é o verdadeiro segredo por trás da máscara do Batman. De que modo o filme lida com isso? Ressuscitando o tema arquetípico dickensiano do bom capitalista que se envolve no financiamento de orfanatos (Wayne) versus o mau e ganancioso capitalista (Stryver, como em Dickens). Nessa moralização dickensiana excessiva, a disparidade econômica é traduzida na “desonestidade” que deveria ser “honestamente” analisada, embora não tenhamos nenhum mapeamento cognitivo confiável, e uma abordagem “honesta” como essa nos leva a mais um paralelo com Dickens – é como afirmou Jonathan (corroteirista), irmão de Christopher Nolan, sem rodeios: “Para mim, Um conto de duas cidades foi o retrato mais angustiante de uma civilização reconhecível e descritível que se desintegrou completamente em pedaços. Com os terrores em Paris, na França daquela época, não é difícil imaginar que as coisas dariam tão errado assim”[5]. As cenas do vingativo levante populista no filme (uma multidão sedenta pelo sangue dos ricos que os ignoraram e exploraram) evocam a descrição de Dickens do Reino do Terror, tanto que, embora não tenha nada a ver com política, o filme segue o romance de Dickens ao retratar “honestamente” os revolucionários como fanáticos possuídos, e assim fornece a caricatura do que, na vida real, seriam revolucionários comprometidos ideologicamente no combate da injustiça estrutural. Hollywood conta o que o establishment quer que saibamos – que os revolucionários são criaturas brutais, sem nenhum respeito pela vida humana. Apesar da retórica emancipatória sobre a libertação, eles têm projetos sinistros por trás. Portanto, quaisquer que sejam as razões, elas precisam ser eliminadas.[6]

Tom Charity destacou corretamente “a defesa que o filme faz do establishment na forma de bilionários filantrópicos e uma polícia corrupta” – na sua desconfiança das pessoas que resolvem as coisas com as próprias mãos, o filme “demonstra tanto o desejo por justiça social quanto o medo do que realmente pode parecer nas mãos de uma multidão”[7]. Aqui, Karthick levanta uma questão bem clara sobre a imensa popularidade da figura do Coringa no filme anterior: qual o motivo de uma atitude tão hostil para com Bane quando o Coringa foi tratado com tanta mansidão no filme anterior? A resposta é simples e convincente:

O Coringa, que clama por anarquia na sua mais pura manifestação, enfatiza a hipocrisia da civilização burguesa como ela existe, mas é impossível traduzir suas visões em uma ação de massa. Bane, por outro lado, representa uma ameaça existencial ao sistema de opressão. […] Sua força não é apenas a psique, mas também sua capacidade de comandar as pessoas e mobilizá-las rumo a um objetivo político. Ele representa a vanguarda, o representante organizado dos oprimidos que promove a luta política em nome deles para gerar mudanças sociais. Tamanha força, com o maior dos potenciais subversivos, não tem lugar dentro do sistema. Ela precisa ser eliminada.[8]

No entanto, ainda que Bane não tenha o fascínio do Coringa de Heath Ledger, há uma característica que o distingue desse último: o amor incondicional, a mesma fonte da sua dureza. Em uma cena curta mas comovente, vemos como, em um ato de amor no meio do sofrimento terrível, Bane salvou a garota Talia sem se importar com as consequências e pagando um preço terrível por isso (foi espancado quase até a morte por defendê-la). Karthick tem toda razão ao situar esse acontecimento dentro da longa tradição, de Cristo a Che Guevara, que exalta a violência como uma “obra do amor”, como nas famosas palavras do diário de Che Guevara: “Devo dizer, correndo o risco de parecer ridículo, que o verdadeiro revolucionário é guiado pelo forte sentimento do amor. É impossível pensar em um revolucionário autêntico sem essa qualidade”[9]. O que encontramos aqui nem é tanto a “cristificação de Che”, mas sim uma “cheização do próprio Cristo” – o Cristo cujas palavras “escandalosas” de Lucas (“se alguém vem a mim e não odeia seu próprio pai e mãe, mulher, filhos, irmãos, irmãs e até a própria vida, não pode ser meu discípulo” [Lc 14:26]) apontam exatamente na mesma direção que a famosa citação de Che: “É preciso ser duro, mas sem perder a ternura”. A afirmação de que “o verdadeiro revolucionário é guiado pelo forte sentimento do amor” deveria ser interpretada juntamente com a declaração muito mais “problemática” de Guevara sobre os revolucionários como “máquinas de matar”:

O ódio é um elemento da luta; o ódio impiedoso do inimigo que nos ergue acima e além das limitações naturais do homem e nos transforma em eficazes, violentas, seletivas e frias máquinas de matar. Assim devem ser nossos soldados; um povo sem ódio não derrota um inimigo brutal.

Ou, parafraseando Kant e Robespierre mais uma vez: o amor sem crueldade é impotente; a crueldade sem amor é cega, paixão efêmera que perde todo seu vigor. Guevara está parafraseando as declarações de Cristo sobre a unidade do amor e da espada – em ambos os casos, o paradoxo subjacente consiste nisto: o que torna o amor angelical, o que o eleva acima da mera sentimentalidade instável e patética, é essa mesma crueldade, o seu elo com a violência – é esse elo que eleva o amor acima e além das limitações naturais do homem e o transforma em pulsão incondicional. É por isso que, voltando a O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o único amor autêntico no filme é o de Bane, o “amor do terrorista”, em nítido contraste a Batman.

Nesse mesmo viés, a figura de Ra’s, pai de Talia, merece um exame mais cuidadoso. Ra’s é uma mistura de características árabes e orientais, um agente do virtuoso terror lutando para contrabalancear a corrompida civilização ocidental. O personagem é interpretado por Liam Neeson, ator cuja persona na tela geralmente irradia uma nobre bondade e sabedoria (ele faz o papel de Zeus em Fúria de Titãs), e que também representa Qui-Gon Jinn em A Ameaça Fantasma, primeiro episódio da série Star Wars. Qui-Gon é um cavaleiro Jedi, mentor de Obi-Wan Kenobi, bem como o descobridor de Anakin Skywalker, acreditando que Anakin é O Escolhido que restituirá o equilíbrio do universo, ignorando os alertas de Yoda sobre a natureza instável de Anakin; no final de A Ameaça Fantasma, Qui-Gon é morto por Darth Maul[10].

Na trilogia Batman, Ra’s também é professor do jovem Wayne: em Batman Begins, ele encontra Wayne em uma prisão chinesa; apresentando-se como Henri Ducard, ele oferece um “caminho” para o garoto. Depois que Wayne é libertado, ele segue até a fortaleza da Liga das Sombras, onde Ra’s está esperando, embora se apresente como servo de outro homem chamado Ra’s Al Ghul. Depois de um longo e doloroso treinamento, Ra’s explica que Bruce deve fazer o que for preciso para combater o mal, embora revele que eles treinaram Bruce para liderar a Liga com o intuito de destruir Gotham City, que eles acreditam ter se tornado irremediavelmente corrupta. Portanto, Ra’s não é a simples encarnação do Mal: ele representa a combinação de virtude e terror, a disciplina igualitária que combate um império corrupto, e assim pertence ao fio condutor (na ficção recente) que vai de Paul Atreides em Duna até Leônidas em300 de Esparta. E é crucial que Wayne seja seu discípulo: Wayne foi formado como Batman por ele.

Duas críticas do senso-comum se apresentam aqui. A primeira é de que houveviolência e matanças monstruosas nas revoluções reais, desde o estalinismo ao Khmer Vermelho, por isso está claro que o filme não está apenas engajado na imaginação revolucionária. A segunda, oposta, é esta: o atual movimento Occupy Wall Street não foi violento, seu objetivo definitivamente não era um novo reino do terror; na medida em que se espera que a revolta de Bane extrapole a tendência imanente do movimento OWS, o filme, portanto, deturpa de maneira absurda seus objetivos e estratégias. Os atuais protestos antiglobalistas são o exato oposto do terror brutal de Bane: este representa a imagem espelhada do terror estatal, uma seita fundamentalista e homicida dominada e controlada pelo terror, e não a sua superação por meio da auto-organização popular… As duas críticas compartilham a rejeição da figura de Bane. A resposta a essas duas críticas é múltipla.

Primeiro, devemos esclarecer o atual escopo da violência – a melhor resposta para a afirmação de que a reação violenta da multidão à opressão é pior que a opressão original foi dada por Mark Twain no seu Um ianque na corte do rei Artur: “Houve dois ‘Reinos do Terror’, se bem nos lembramos; um forjado na incandescente paixão, outro no desumano sangue frio. […] Mas todos os nossos temores, que os tenhamos pelo menor terror, o momentâneo, por assim dizer; pois o que é o terror da morte súbita pelo machado se comparado à morte em toda uma vida de fome, frio, insulto, crueldade e desilusão? O cemitério de qualquer cidade pode bem conter os caixões cheios desse breve terror, que todos aprendemos com afinco a temer e lamentar; mas a França inteira mal conteria os caixões cheios daquele outro terror, mais antigo e verdadeiro, o terror de amargura e atrocidade indizíveis, que nenhum de nós aprendeu a encarar em toda sua amplitude ou desprezo que merece”.

Depois, deveríamos desmistificar o problema da violência, rejeitando afirmações simplistas de que o comunismo do século XX agiu com uma violência homicida excessiva demais, e de que deveríamos tomar cuidado para não cair mais uma vez nessa armadilha. Com efeito, trata-se de uma terrível verdade – mas esse foco voltado diretamente para a violência obscurece uma questão basilar: o que houve de errado no projeto comunista do século XX como tal, qual foi o ponto fraco imanente desse projeto que impulsionou o comunismo a recorrer (não só) aos comunistas no poder para a violência irrestrita? Em outras palavras, não basta dizer que os comunistas “negligenciaram o problema da violência”: foi um aspecto sócio-político mais profundo que os impulsionou à violência. (O mesmo se aplica à ideia de que os comunistas “negligenciaram a democracia”: seu projeto geral de transformação social impôs sobre eles esse “negligenciar”.) Portanto, não é apenas o filme de Nolan que foi incapaz de imaginar o poder autêntico do povo – os próprios movimentos “reais” de emancipação radical também não o fizeram e continuam presos nas coordenadas da antiga sociedade, e, por essa razão, muitas vezes o efetivo “poder do povo” foi esse horror violento.

E, por último, mas não menos importante, é muito simples dizer que não há potencial violento no movimento OWS e similares – há sim uma violência em jogo em todo processo emancipatório autêntico: o problema com o filme é que ele traduziu essa violência de uma maneira errada em terror homicida. Qual é, então, a sublime violência em relação à qual até mesmo o mais brutal assassinato é um ato de fraqueza? Façamos uma digressão em Ensaio sobre a lucidez, de José Saramago, que conta a história dos estranhos eventos na capital sem nome de um país democrático não identificado. Quando a manhã do dia das eleições é arruinada por chuvas torrenciais, a quantidade de eleitores presentes é extremamente baixa, mas o tempo melhora no meio da tarde e a população segue em massa para as seções eleitorais. No entanto, o alívio do governo logo acaba quando a contagem de votos revela que 70% das cédulas na capital foram deixados em branco. Frustrado por esse aparente lapso civil, o governo dá aos cidadãos a chance de refazer o fato uma semana depois, em mais um dia de eleição. O resultado é pior: agora 83% dos votos foram brancos. Os dois principais partidos políticos – o governante partido da direita (p.d.d.) e seu principal adversário, o partido do meio (p.d.m.) – entram em pânico, enquanto o infeliz e marginalizado partido da esquerda (p.d.e.) apresenta uma análise afirmando que os votos brancos são, essencialmente, um voto por sua agenda progressiva. Sem saber como responder a um protesto benigno, mas certo de que existe uma conspiração antidemocrática, o governo rapidamente rotula o movimento de “terrorismo puro e duro” e declara estado de emergência, permitindo a suspensão de todas as garantias constitucionais e adotando uma série de medidas cada vez mais drásticas: os cidadãos são apanhados aleatoriamente e desaparecem em interrogatórios secretos, a polícia e a sede do governo saem da capital, proibindo a entrada e a saída da cidade e, por fim, fabricando seu próprio líder terrorista. A cidade toda continua funcionando quase normalmente, as pessoas se esquivam de todas as ofensivas do governo com uma harmonia inexplicável e com um verdadeiro nível gandhiano de resistência não violenta… isso, a abstenção dos eleitores, é um exemplo de “violência divina” verdadeiramente radical que desperta reações de pânico brutal nos detentores do poder.

Voltando a Nolan, a trilogia dos filmes do Batman, portanto, segue uma lógica imanente. Em Batman Begins, o herói continua dentro dos limites de uma ordem liberal: o sistema pode ser defendido com métodos moralmente aceitáveis. O Cavaleiro das Trevas é de fato uma nova versão de dois clássicos de faroeste de John Ford (Sangue de Heróis e O Homem Que Matou o Facínora) que retratam como, para civilizar o ocidente selvagem, é preciso “publicar a lenda” e ignorar a verdade – em suma, como nossa civilização tem de se fundamentar em uma Mentira: é preciso quebrar as regras para defender o sistema. Ou, dito de outra forma, em Batman Begins, o herói é simplesmente uma figura clássica do vigilante urbano que pune os criminosos naquilo que a polícia não pode; o problema é que a polícia, órgão responsável pela imposição das leis, relaciona-se de maneira ambígua à ajuda de Batman: enquanto admite sua eficácia, ela também considera Batman uma ameaça ao seu monopólio do poder e uma testemunha da sua ineficácia. No entanto, a transgressão de Batman aqui é puramente formal, consiste em agir em nome da lei sem a legitimação para fazê-lo: nos seus atos, ele nunca viola a lei. O Cavaleiro das Trevas muda essas coordenadas: o verdadeiro rival de Batman não é o Coringa, seu oponente, mas Harvey Dent, o “cavaleiro branco”, o novo e agressivo promotor público, um tipo de vigilante oficial cuja batalha fanática contra o crime o conduz ao assassinato de pessoas inocentes e o destrói. É como se Dent fosse a resposta à ordem legal da ameaça de Batman: contra a vigilante luta de Batman, o sistema gera seu próprio excesso ilegal, seu próprio vigilante, muito mais violento que Batman, violando diretamente a lei. Desse modo, há uma justiça poética no fato de que, quando Bruce planeja revelar ao público sua identidade como Batman, Dent o interrompe e se apresenta como Batman – ele é “mais Batman que o próprio Batman”, efetivando a tentação à qual Batman ainda era capaz de resistir. Então quando, no final do filme, Batman assume os crimes cometidos por Dent para salvar a reputação do herói popular que incorpora a esperança para o povo comum, seu ato modesto tem uma ponta de verdade: Batman, de certa forma, devolve o favor a Dent. Seu ato é um gesto de troca simbólica: primeiro Dent toma para si a identidade de Batman, e depois Wayne – o Batman verdadeiro – toma para si os crimes de Dent.

Por fim, O Cavaleiro das Trevas Ressurge ultrapassa ainda mais os limites: Bane não seria Dent levado ao extremo, à sua autonegação? Dent que chega à conclusão de que o sistema é injusto, de modo que, para combater a injustiça com eficácia, é preciso atacar diretamente o sistema e destruí-lo? E, como parte da mesma atitude, Dent que perde as últimas inibições e está pronto para usar toda sua brutalidade assassina para atingir esse objetivo? O advento dessa figura muda a constelação inteira: para todos os participantes, inclusive Batman, a moralidade é relativizada, torna-se uma questão de conveniência, algo determinado pelas circunstâncias: é uma guerra de classes aberta, tudo é permitido para defender o sistema quando estamos lidando não só com gângsteres malucos, mas com uma revolta popular.

Será, então, que isso é tudo? O filme deveria ser categoricamente rejeitado por quem se envolve em lutas emancipatórias radicais? As coisas são mais ambíguas, e é preciso interpretar o filme da maneira que se interpreta um poema político chinês: as ausências e as presenças surpreendentes também contam. Recordemos a antiga história francesa sobre uma esposa que reclama do melhor amigo do marido, dizendo que o amigo tem se insinuado sexualmente para ela: leva algum tempo para que o amigo surpreso entenda a mensagem – de uma maneira invertida, ela o está incitando a seduzi-la… É como o inconsciente freudiano que não conhece a negação: o que importa não é um juízo negativo sobre algo, mas o simples fato de que esse algo seja mencionado – em O Cavaleiro das Trevas Ressurge, o poder do povo ESTÁ AQUI, encenado como um Evento, em um passo fundamental dado a partir dos oponentes habituais de Batman (criminosos megacapitalistas, gângsteres e terroristas).

Temos aqui a primeira pista – a perspectiva de que o movimento OWS tome o poder e estabeleça a democracia do povo em Manhattan é nítida e completamente tão absurda e irreal que não podemos deixar de fazer a seguinte pergunta: POR QUE UM IMPORTANTE BLOCKBUSTER DE HOLLYWOOD SONHA COM ISSO, POR QUE EVOCA ESSE ESPECTRO? Por que sequer sonhar com o OWS culminando em uma violenta tomada de poder? A resposta óbvia (manchar o OWS com acusações de que ele guarda um potencial terrorista totalitário) não é o bastante para explicar a estranha atração exercida pela perspectiva do “poder do povo”. Não admira que o funcionamento apropriado desse poder continue branco, ausente: nenhum detalhe é dado sobre como funciona esse poder do povo, sobre o que as pessoas mobilizadas estão fazendo (é preciso lembrar que Bane diz que as pessoas podem fazer o que quiserem – ele não impõe sobre elas a sua própria ordem).

É por isso que a crítica externa do filme (“sua retratação do reino do OWS é uma caricatura ridícula”) não basta – a crítica tem de ser imanente, tem de situar dentro do próprio filme uma multiplicidade de sinais que aponte para o Evento autêntico. (Recordemos, por exemplo, que Bane não é apenas um terrorista brutal, mas sim uma pessoa de profundo amor e sacrifício.) Em suma, a ideologia pura não é possível, a autenticidade de Bane TEM de deixar rastros na tecitura do filme. É por isso que o filme merece uma leitura mais íntima: o Evento – a “república do povo de Gotham City”, a ditadura do proletariado sobre Manhattan – é imanente ao filme, é o seu centro ausente.

*****

Referências

[1] Tyler O’Neil, “Dark Knight and Occupy Wall Street: The Humble Rise”,Hillsdale Natural Law Review, 21 de julho de 2012.

[2] Karthick RM, “The Dark Knight Rises a ‘Fascist’?”, Society and Culture, 21 de julho de 2012.

[3] Tyler O’Neil, cit.

[4] Christopher Nolan, entrevista na Entertainment 1216 (julho de 2012), p. 34.

[5] Entrevista de Christopher e Jonathan Nolan ao Buzzine Film.

[6] Karthick, cit.

[7] Forrest Whitman, “The Dickensian Aspects of The Dark Knight Rises”, 21 de julho de 2012.

[8] Karthick, cit.

[9] Citado em Jon Lee Anderton, Che Guevara: A Revolutionary Life, New York: Grove 1997, p. 636-637.

[10] Notemos a ironia do fato de que o filho de Neeson é um xiita devoto, e que o próprio Neeson às vezes fala sobre a sua futura conversão ao islamismo.

]]>
http://portalconservador.com/ditadura-do-proletariado-em-gotham-city/feed/ 1 265