Pesquisas da área da psicologia do desenvolvimento, da antropologia cognitiva e particularmente das ciências cognitivas da religião me fizeram pensar que a religião é tão natural como nossa linguagem. Os seres humanos em geral são “crentes natos”, naturalmente inclinados a achar os assuntos religiosos e suas explicações atrativas e de fácil aquisição, tornando-se hábeis na sua utilização. Tal atração pela religião é um produto de nossa bagagem cognitiva básica. Essencialmente, nossas faculdades cognitivas são instintivamente religiosas.
Tão logo os bebês nascem, começam a tentar entender o mundo à sua volta. À medida que o fazem, suas mentes mostram tendências regulares. O recém-nascido mostra certas preferências para o que quer prestar atenção e tenta entender o que as pessoas estão pensando no momento.
Um dos comportamentos mais importantes é o reconhecimento da diferença entre objetos físicos simples e os “AGENTES” – coisas que podem influenciar o entendimento do meio. Bebês de forma inata sabem que bolas e livros devem ser tocados para se moverem, mas agentes tais como pessoas e animais podem se mover sozinhos.
Devido à nossa natureza altamente social, prestamos uma atenção especial aos agentes. Somos fortemente atraídos para a explicação de certos eventos por meio da ação de agentes – eventos particularmente que não são prontamente explicados em termos de uma causalidade simples.
Por instância, Phillippe Rochat e colaboradores, da Universidade Emory em Atlanta, Geórgia, conduziram uma série de experimentos mostrando que já no primeiro ano de vida, uma criança consegue diferenciar entre os movimentos de objetos simples dos de agentes, mesmo se o objeto e os agentes em questão são somente discos coloridos feitos por animação gráfica computadorizada. Por volta dos 9 meses de idade, bebês já são sensíveis não somente ao relacionamento causal entre dois discos que se perseguem na tela do computador, mas podem indicar quem estava perseguindo e quem estava fugindo. Os bebês primeiro assistiam a um disco vermelho perseguindo um azul (ou vice-versa) até que se habituassem ao estímulo – isso é, ficassem entediados. Então o cientista revertia a perseguição. Os bebês notaram as diferenças e voltaram a assistir novamente a perseguição (Perception, vol33, p. 355).
Muitos desses experimentos usaram discos animados que não se assemelhavam a humanos ou animais. Bebês não precisam da presença de uma pessoa, ou mesmo de um animal, para raciocinar e agir – um ponto importante é se aplicarão seu raciocínio em relação aos agentes para Entes invisíveis.
Bebês aparentemente são sensíveis à outras duas características importantes dos agentes, permitindo um melhor entendimento do mundo, mas também permitindo um maior recepção a idéia de Deus. Primeiro, agentes agem para completar objetivos. E segundo, não precisam ser visíveis. Para que o agente tenha influência nos grupos sociais, como evitar os predadores e capturar presas, precisamos pensar em agentes que não podemos ver.
“quando vamos à origem das coisas naturais, as crianças são muito receptivas às explicações que envolvem um padrão ou ou propósito”
A facilidade com que os humanos empregam o raciocínio baseado em agentes não termina na infância. Num experimento realizado com Amanda Johnson, da Faculdade Cavin em Grand Rapids, Michigan, perguntamos a estudantes universitários para narrarem suas ações enquanto empurravam bolas para um buraco de uma mesa. Um pulso eletromagnético era enviado constantemente através da mesa para a bola que estava em movimento, perturbando as expectativas físicas intuitivas. Quase dois terços dos estudantes referiram a bola “perturbada” como um agente, não como objetos físicos comuns, fazendo comentários do tipo, “Aquela não quis permanecer no lugar”, “Oh, veja. Aquelas duas se beijaram”, e “Elas não estão cooperando” (Journal of Cognition and Culture, vol. 3, p. 208).
Essa propensão natural de buscar agentes e de raciocinar de modo contra-intuitivo sobre os agentes do mundo é parte de nossa inclinação para acreditar em Deus. Uma vez pareado com outras tendências cognitivas, tais como a busca de um propósito, faz com que a criança fique altamente receptiva à religião.
Para que serve um tigre?
Deborah Kelemen da Universidade de Boston mostrou que desde a infância temos uma forte atração às explicações baseadas em propósitos para objetos naturais – de macacos a pessoas, de icebergues a árvores. Crianças de quatro e cinco anos são mais suscetíveis a pensar que um tigre é “feito para comer, andar e ser visto no zoológico” que “comer, andar e ser visto no zoológico não é feito para ele” (Journal of Cognition and Development, vol. 6, p. 3).
Essa propensão natural de buscar agentes e de raciocinar de modo contraintuitivo sobre os agentes do mundo é parte de nossa inclinação para acreditar em deuses. Uma vez pareado com outras tendências cognitivas, tais como a busca de um propósito, faz com que a criança fique altamente receptiva à religião.
Similarmente, quando se especula sobre a origem das coisas naturais, as crianças são muito receptivas a explicações que invocam um padrão ou um propósito. É mais prazeroso para a criança acreditar que animais e plantas foram criadas para um propósito que acreditar que surgiram por razão nenhuma. Margaret Evans, da Universidade de Michigan em Ann Arbor, mostrou que crianças abaixo dos 10 anos tendem a abraçar as explicações criacionistas às darwinistas sobre a origem das coisas – até mesmo crianças cujos pais e professores aceitam a evolução (Cognitive Psychology, vol. 42, p. 217). Kelemen também fez experimentos com adultos, sugerindo que crescemos com essa atração, mas que ela é suprimida por meio da educação formal (Cognition, vol. 111, p. 138).
Isso mostra que aparentemente dividimos uma intuição que depende de um agente para classificar e modelar o que vemos no mundo. Um experimento recente feito por George Newman, da Universidade de Yale, corrobora essa visão. Bebês entre 12 a 13 meses de idade assistiam a duas animações cujo trajeto final era protegido por uma barreira, mas que era retirada ao final do evento, permitindo aos bebês ver os fatos.
1) uma bola correndo que batia em blocos empilhados, desordenando-os;
2) uma bola correndo que, quando batia em blocos já desordenados, tornavam-se empilhados. Adultos veriam algo estranho no segundo cenário: bolas não ordenavam os blocos. Bebês também viram algo estranho, pois permaneceram mais tempo observando a segunda animação. Isso sugere que os bebês estranham uma bola criando ordem que uma bola criando desordem.
Trajeto da bola (seta amarela) até que atinja os blocos. A consequência final entre a bola e os blocos é bloqueada por uma barreira que é retirada ao final do evento, permitindo analisar a consequência.
Ainda mais interessante foi um segundo experimento. Um objeto arredondado e com um rosto (agente) moveu-se propositalmente para trás da barreira e aparentemente ordenava ou desordenava os blocos. Nesse caso, os bebês não mostraram qualquer surpresa aparente (PNAS, vol. 107, p/ 17140).
A explicação mais plausível é que os bebês possuem uma intuição tão aguçada quanto os adultos: pessoas, animais, deuses ou outros agentes podem criar ordem ou desordem, mas “não-agentes”, tais como tempestades ou bolas que rolam, somente criam desordem.
É claro que os deuses não somente criaram ou ordenaram o mundo natural, eles tipicamente possuem superpoderes: superconhecimento, super-percepção e imortalidade. Será que essas características dos deuses, as quais diferem e superam as habilidades das pessoas, são difíceis de serem adotadas pelas crianças?
Numa série de estudos de outros pesquisadores, as crianças aparentam prever que todos os agentes possuem um superconhecimento, super-percepção e imortalidade até que aprendam outra coisa.
Por exemplo, num estudo realizado no México, liderado por Nicola Knight da Universidade de Oxford, crianças da etnia Maya entre 4 e 7 anos foram apresentadas a uma cabaça conhecida por guardar tortilhas. Com a abertura da cabaça coberta, o experimentador perguntou às crianças o que havia dentro. Após a resposta “tortilhas”, lhes eram mostradas – para sua surpresa – que ali dentro continha uma cueca. O experimentador então cobriu a abertura novamente e perguntou se algum agente poderia saber o que havia dentro da cabaça. Os agentes incluíam o deus católico, conhecido como Diós, o deus Maya do Sol, espíritos das florestas, um “bicho-papão” chamado Chiichii ou um humano. Na cultura Maya, Diós é onipotente e onipresente, o deus do Sol sabe de todas as coisas que acontece sob o Sol, o espírito da floresta é limitado às florestas e o Chiichii é somente um aborrecimento.
As crianças mais jovens responderam que todos os agentes poderiam saber o que estava dentro da cabaça. Por volta dos 7 anos, a maioria das crianças pensavam que Diós poderia saber que a cabaça continha cuecas. Porém somente os humanos pensavam que ali havia tortilhas. Elas também podiam diferenciar o grau de conhecimento de outros agentes sobrenaturais (Journal of Cognition and Culture, vol. 8, p. 235). Coisas semelhantes também foram encontradas em crianças albanesas, israelenses, britânicas e estadunidenses.
Posso estar errado, mas minha interpretação disso é que as crianças acham mais fácil presumir que outras pessoas sabem, sentem ou relembram as coisas que imaginar precisamente quem conhece, sente ou se lembra daquilo.
Essa afirmação está relacionada ao desenvolvimento de uma faculdade denominada de “teoria da mente”, a qual se relaciona ao nosso entendimento sobre o pensamento, percepção, desejos e sentimentos das outras pessoas. A teoria da mente é importante para o bem-estar social, mas leva tempo para se desenvolver. Algumas crianças entre 3 e 4 anos simplesmente admitem que outras pessoas possuem um conhecimento do mundo completo e preciso.
Um padrão similar é visto com crianças que passaram a entender a inevitabilidade da morte. Estudos feitos por Emily Burdett, da Universidade de Oxford, sugere que o padrão das crianças é admitir todas as outras pessoas como imortais.
O achado nos quais as crianças mayas pensam que todos os deuses devem saber o que estava dentro da cabaça é importante por outra razão: a doutrinação não pode ser levada em conta. Não importa o que se diga, as crianças não precisam ser doutrinadas para acreditarem em deus. Elas naturalmente gravitam em torno dessa ideia.
Minha alegria é que essas características sobre o desenvolvimento da mente – uma explicação para a atração por explicações baseadas em agentes, uma tendência para explicar o mundo natural em termos de padrões e propósitos, e uma afirmação de que outros possuem superpoderes – faz com que as crianças naturalmente sejam receptivas à ideia de que realmente existe um Ser Superior que ajuda a moldar o mundo em volta delas.
É importante notar que esse conceito da religião se esquiva das crenças teológicas. Crianças acreditam de forma inata não no Cristianismo, no islamismo ou qualquer outra teologia, mas naquilo que chamo de “religião natural”. Elas possuem uma forte tendência natural para a crença em um Ser Superior, mas essas tendências não as impedem de seguir para qualquer outra crença religiosa.
[Justin L. Barrett é diretor do Thrive Center for Human Development no Seminário Teológico de Fuller, em Pasadena, Califórnia. Seu último livro é Born Believers: The science of children`s religious belief]
Assim, chegamos ao fim de mais uma postagem, e podemos perceber como o fato da crença em Deus ser inata é poderoso para explicar de forma coerente e racional a universalidade e indestrutibilidade do fenômeno religioso ao longo das eras. Como diz o salmista: “Assim como o cervo brama pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus!” (Salmos 42:1)
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