Fui surpreendido com a notícia da morte do Dr. Pedro Arcênio nesta segunda feira, dia 01 de abril. Eu, como muitos paraguaçuenses, tive a oportunidade de conhecê-lo um pouco, não muito, mas o suficiente para saber que ele foi um grande homem, tanto na vida pessoal como na profissional. A primeira vez que o vi, foi na minha infância, no Colégio Paraguaçu.
Na época, pelos idos de 1995, o diretor, prof. Sérgio, o convidou para realizar uma palestra no anfiteatro da Fundação Gammon, acerca da carreira jurídica, para a fornada de alunos que não tinha a menor idéia de que carreira seguiriam. O orador impressionou em muito a platéia, ao discorrer a respeito do período que se preparou para entrar na Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, em São Paulo – a mais tradicional do Brasil, até hoje.
Foi muito emocionante quando o palestrante falou do esforço de seu pai, humilde dono de armazém, para que ele e os irmãos pudessem estudar na melhor faculdade do país. O palestrante falou também de seu imenso esforço para corresponder às expectativas do pai, e para fazer frutificar seu sacrifício por meio do estudo.
Um grande exemplo para a juventude, e que em muito me influenciou a dedicar-me aos estudos, coisa que nunca deixei de fazer, mesmo em circunstâncias altamente desfavoráveis, pois não há maior riqueza do que o conhecimento, já bem sabia e dizia o Dr. Pedro. Mais para frente, eu o conheci pessoalmente, já na minha adolescência, época na qual meu pai – seu cliente e seu amigo pessoal – resolveu abrir uma churrascaria, que ficava ao lado do Hotel Esplanada, ao final da av. Siqueira Campos, local que era freqüentado pelo Dr. Pedro e sua esposa, Senhora Norma, religiosamente, todos os domingos.
Chamava-me a atenção aquele homem de baixa estatura, fronte grisalha, pose aristocrática, mas que aparentava ser um gigante. Fui apresentado a ele pelo meu pai num desses almoços, e imediatamente ficamos amigos, pois uma de suas paixões, além do Direito, era a Música Clássica, e, claro, os bons vinhos. Os compositores que ele mais apreciava eram os mesmos que eu também mais apreciava: Mozart e Beethoven, assim como os vinhos chilenos, italianos, franceses. A amizade floresceu e frequentemente eu recebia CDs de presente do Dr. Pedro, com gravações preciosas dos grandes clássicos da música erudita, os quais eu retribuía com vinhos de boa cepa, escolhidos com a ajuda do meu pai. Quando eu morava fora de Paraguaçu, em meus estudos universitários, sempre que vinha para cá, eu passava em seu escritório, para falar de música e de direito.
É claro que sua imensa biblioteca, repleta de obras de Direito e uma quantidade impressionante de volumes era algo que muito me impressionava. No campo do direito, não é exagero dizer que assim como Pedro Simão foi a pedra sobre a qual Cristo fundou sua igreja, o Dr. Pedro foi a pedra sobre a qual frutificou a advocacia em Paraguaçu. Não há um advogado dos bons, desses que hoje atuam em Paraguaçu e região, que não tenha passado por seu escritório para tomar lições de Direito e de civilidade, sim, porque o homem era um gentleman.
Muitos estudantes de direito, na sanha de serem aprovados na ordem dos advogados, lá iam tomar conselhos e eram recebidos com espírito fraternal. Sabemos que em todas as profissões há pessoas receosas em distribuir conhecimento, com medo da competição. Não era o caso do Dr. Pedro, pois ele era muito generoso, e ensinava a todos com muita acuidade, tendo contribuído, assim, na formação de toda uma geração de operadores do Direito em nossa região.
Quem o via andando de carro pelas ruas da cidade podia muito bem se confundir e achar que estava vendo um dos ministros do STJ ou do STF perdido por estas plagas, pois não apenas a postura de grande jurista ele ostentava, mas também os conhecimentos necessários para isso. Tenho certeza de que nenhum dos ministros do STF que hoje lá estão o sobrepujariam em conhecimento jurídico, muito pelo contrário: alguns ficariam “no chinelo” perto do saber jurídico do ilustre paraguaçuense, o Dr. Pedro Arcênio. Quem o conheceu de perto, foi seu cliente, ou seu adversário nos tribunais, sabe muito bem disso, e concorda plenamente. Outro dia eu estava em preleção acerca de Direito Processual em Assis, e quem o conferencista citou, como exemplo de grande advogado? O Dr. Pedro Arcênio, claro.
O citou como exemplo de advogado que ia até as últimas conseqüências em prol de seus clientes, muitas vezes ele mesmo se prejudicando financeiramente por conta dessa postura. Isso é um ponto muito interessante: muitos advogados hoje perderam essa premissa ética, de lutar pelo cliente até o fim; muitos só pensam em seu próprio benefício pecuniário, e deixam o interesse do cliente em um dos últimos lugares em sua escala de prioridades. Não era assim o Dr. Pedro Arcênio. Ele sabia que a justiça é um valor absoluto, e que não comporta meias-verdades. Me lembro da última vez em que nos reunimos para tratar de um assunto jurídico, nos idos de 2008 – pois ele também foi meu advogado – e ele me explicou longamente o tipo de recurso que ele estava a interpor perante o Tribunal de Justiça de São Paulo.
Chamou-me atenção a preocupação dele em me ligar para explicar aquilo que estava a fazer, com se precisasse fazê-lo. Isso nenhum advogado faz hoje em dia, ainda mais um advogado como ele, com seu notório saber jurídico, explicar detalhadamente a um cliente seus procedimentos e estratégias? Realmente, isso não era para qualquer um. Recentemente, em conversa com o Dr. Genésio Correia de Moraes, outro grande advogado de Paraguaçu, que sempre confessa ter aprendido muito com o Dr. Pedro, falamos exatamente sobre o grande mestre e o assunto era a situação da Justiça no Brasil. A referência para nossa conversa eram as concepções do Dr. Pedro Arcênio acerca do tema.
Não foram poucas as obras sociais e o engajamento do Dr. Pedro na comunidade paraguaçuense, cito apenas o período em que ele foi presidente da OAB, da ocasião em que doou um terreno para a construção de sua sede e de seu empenho em trazer para Paraguaçu a Faculdade de Agronomia – ESAPP, na década de 1970. Outra lição de vida que o Dr. Pedro deixou foi a sua contrição e luto profundo após a morte de sua esposa, dona Norma, do qual nunca saiu enquanto vivo. Ele diligentemente denominou seu famoso escritório com o nome dela – e não havia uma vez em que eu fosse lá que ele não falasse dela, de como trabalhavam bem juntos, da falta que ela lhe fazia.
Nos tempos atuais, em que as relações afetivas são curtas e descartáveis, faz bela a figura desse grande amor de vida inteira: restou esse outro grande exemplo de vida, de fidelidade e idoneidade, de valorização da família e do casamento. Sem dúvida, Paraguaçu perde um de seus habitantes mais ilustres – o grande jurista de Paraguaçu Paulista! É certo que fará muita saudade, mas deixou muitos frutos em nossa comunidade e em nossos corações. Que Deus lhe dê a boa acolhida que o Senhor merece, Dr. Pedro Arcênio!
Escrito por Dr. Dante Mantovani. Portal Conservador.
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