história do cristianismo – Portal Conservador https://portalconservador.com Maior Portal dirigido ao público Conservador em língua portuguesa. Fri, 18 May 2018 21:08:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.3.2 65453639 O Espírito das Cruzadas https://portalconservador.com/o-espirito-das-cruzadas/ https://portalconservador.com/o-espirito-das-cruzadas/#respond Mon, 20 Apr 2015 02:34:14 +0000 http://portalconservador.com/?p=2250 read more →]]> “Tomai o caminho do Santo Sepulcro, certos da glória imperecível que vos espera no reino de Deus. Que cada um renuncie a si mesmo e tome a Cruz”! Data de 18 de novembro de 1095 o apelo de Clermont, enunciado pelo Papa Urbano II. Este imperativo religioso, esta obrigação moral, uniu inimigos políticos, reuniu reinos adversários, suspendeu guerras entre soberanias, aplacou fações e famílias desavindas, aderiu forças oponentes e associou monarcas antes irreconciliáveis. Némesis no plano natural, juntaram-se numa fraternidade sobrenatural. Relatam as crónicas que por esses dias naquela cidade francesa acabou o pano vermelho com que os francos faziam a cruz nas suas capas. Houve quem tatuasse ou mesmo marcasse a fogo na pele uma cruz.

Como qualquer empreendimento humano, teve os seus aproveitadores, usurpadores, loucos e assassinos: teve os seus Reinaldo de Châtillon, Boemundo, Guy de Lusignan. Acima de tudo, contou com homens admiráveis e santos como Godofredo de Bulhões, Balduíno IV, São Luís, São Bernardo. Compareceram igualmente, como de resto não poderia deixar de acontecer numa sociedade orgânica como a medieva, as diversas camadas da população anónima – a primeira manifestação deste fenómeno foi batizada muito apropriadamente de A Cruzada Popular (impulsionada em grande medida pelas palavras enfáticas do barbudo de cabelos longos e andrajosamente vestido Pedro, o Eremita; outro dos seus líderes foi um tal de Gautier-sans-Avoir, que como o sugestivo apelido deixa transparecer, não passava de um cavaleiro indigente). Anteriormente, já os papas Silvestre II, Sérgio IV (quando o “califa louco” Al-Hakim destruiu o Santo Sepulcro em 1010) e Gregório VII sonharam projetos no mesmo sentido. Foram deste santo as palavras: “preferiria expor a minha vida para libertar os Santos Lugares a comandar o universo”.

Do confronto entre as duas religiões e civilizações, Chesterton confere que os cristãos poderam retirar o melhor do lado muçulmano, enquanto o contrário não sucedeu. O cristianismo é dotado de uma plasticidade que lhe confere uma capacidade, única entre as várias religiões, de retirar, moldando-os à sua intrínseca espiritualidade, os aspetos tecnologicamente superiores vindos do lado contrário, sendo ao mesmo tempo detentor de uma elasticidade que lhe permite adaptar-se às mais díspares complexidades adversas. Podemos ilustrar esta noção traçando um paralelo entre duas existências concretas, cada uma delas paradigma de uma específica forma de viver em Cristo: São Francisco de Assis e São Tomás de Aquino. No movimento pendular resultante da surpreendente distância humana que separa esses santos medievais, perfeitamente visível na carne e nos temperamentos, depreende-se facilmente a largueza de vistas e de espírito da religião cristã, bem como o que estes atributos lhe auferem em termos de liberdade de ação.

O deus do Islão, um deus frio e sem face, autoritário e intolerante, um deus simplista que nasceu dos desertos e da cimitarra, nunca teve a flexibilidade para capacitar-se do acolhimento nem o poder de encaixe para admitir a diferença e a idiossincrasia. O islamismo, desde o seu início, comporta-se como um incêndio que alastra rapidamente numa paisagem árida onde predomina a palha seca: no seu avaro desenvolvimento tudo desbasta e tolhe, não deixando que nada sobreviva à sua passagem – consome os homens e destrói as nações. Provenientes de uma civilização apenas superficialmente mais avançada, ou seja, tecnicamente e teoricamente evoluída mas que comparava mal com a arte e o carácter ocidentais, os turcos seldjúcidas, ávidos de poder e glória, sujeitavam os peregrinos cristãos a roubos e assaltos, maus tratos e torturas, à escravidão, prisões e mortes. A partir da dobragem do ano mil, os testemunhos foram-se acumulando nas mentes cristãs, acabando por atingir a crispação da afronta e os limites da resistência.

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A entrada dos Cruzados em Constantinopla – Eugène Delacroix (1840)

Para quê o fútil exercício de as contar? A História também se alimenta de estatística, é certo. A Revolução Francesa tem o seu Delacroix e as invasões napoleonicas o seu Goya; a Guerra Civil Espanhola o seu Picasso. Contudo, por vezes há que ceder passagem ao ritmo do movimento, à intensidade do ambiente, ao acento da ecologia. Comparar o acontecimento das Cruzadas com uma sinfonia não será completamente descabido (embora Beethovem tenha-se arrependido de o fazer com Napoleão). (A marcha compreensivelmente não se ajusta, pois obriga-nos a uma contagem, nem que seja inconsciente). No entanto, poderemos ser mais felizes em evocar a longa-metragem. Ao estilo de um filme mudo dos anos vinte, em que os travellings, as panorâmicas, os ângulos da câmara, a profundidade de campo, a combinação de luz e sombra, a montagem, os grandes planos, conseguem mostrar – sem serem incomodados pela dimensão sonora (ou pela cor) – não uma sucessão de eventos estanques, mas somente um único e grandioso fenómeno – A Cruzada.

Talvez fosse necessário invocar o melhor Eisenstein (sem a componente política) para poder captar com o fervor e o realce devidos, essas deslocações em massa de seres humanos. Quais gafanhotos com alma, uma praga de armaduras e cotas de malha metálicas montadas a cavalo, juntamente com esqueletos andantes forrados a peles enrugadas e esforçadas, magras e curtidas pelos elementos rurais e pela costumeira escassez de alimento, com as mãos calejadas pelo rudimentar arado ou martelo que ficou para trás, trespassou as cidades, as aldeias, os campos e os castelos, flanqueou os picos mais elevados, ultrapassou os rios e navegou os estreitos, empurrou as fortificações e ergueu o krak, numa deriva heróica até ao extremo oriental do continente europeu e até aos limítrofes da Ásia.

A História nunca mais seria a mesma. Michelet: “viram-se homens desinteressarem-se subitamente de tudo quanto amavam até então: os barões abandonaram os seus castelos, os artífices os seus ofícios e os camponeses os seus campos, para consagrarem as suas penas e a sua vida a preservar de profanações sacrílegas aqueles dez pés quadrados de terra que haviam acolhido durante algumas horas os despojos terrenos do seu deus”. O voto de cruzado era irrevogável e observava a lei canónica, a sua violação caindo sob o perigo de excomunhão. Os fiéis eram obrigados a pedir autorização ao respetivo pároco e os monges tinham de a obter do seu superior. Mesmo com estes cuidados e preparos, apesar destes contra-pesos, foi tarefa ingrata tentar contêr os entusiasmos arrebatados e aplacar o intenso clamor. Não foram decerto capazes de impedir os desastres nem as carnificinas não forçadas diretamente pela mão inimiga – a Cruzada das Crianças e a Cruzada Popular resultaram em rotundos fracassos e em elevada mortandade.

Nesses dois séculos, a veia mística das peregrinações não cessou por um instante: havia sempre gente a partir para Jerusalém, gente mais ou menos esfomeada, melhor ou pior calçado ou simplesmente descalço, melhor ou pior armado ou simplesmente desarmado, a cavalo ou de carroça ou simplesmente a pé, principalmente da Flandres, da Inglaterra, da Escócia, da Alemanha, da Itália e da França. De facto, muitos homens da França (razão porque em terras do próximo-oriente todos os europeus eram denominados por “francos”). Enfrentando situações atmosféricas e áreas geograficamente agrestes, os desertos tórridos e secos, as tempestades de areia, as cheias do Nilo, lutando em terrenos desconhecidos e em clara inferioridade numérica contra homens mais fortes, mais altos e mais possantes, aguentando as pestes e as doenças, a fome e a sede, os ferimentos, a morte do amigo e do familiar, foram corajosa e abnegamente tentar libertar os Santos Lugares – sob o lema “Deus o quer”!

Seguindo o rumo dos caminhos trilhados, analisando o padrão da formação das poças de sangue dos combates travados e observando a inércia da queda dos corpos, verifica-se que o curso da conceção histórica hegeliana inverteu-se, romando de oeste para este, no sentido da Cidade Santa. O aparente fracasso deste autêntico romance de cavalaria (cinematograficamente adaptável, como sugerimos) não reside na efémera reconquista da cidade de Jerusalém ou na breve duração do Reino de Jerusalém. Apesar do facto inelutável do falhanço em libertar o Santo Sepulcro dos maometanos e malgrado a razia da população europeia (a França praticamente ficou sem nobreza), a recuperação da Terra Santa foi uma ideia plena de grandiosidade e generosidade. Uma ideia digna de Roma. (Nunca foi possível estabelecer uma ligação estável entre cristãos gregos e latinos. O Vigário de Cristo ainda acalentou durante algum tempo a esperança de acabar com o Cisma, mas provou-se sem viabilidade). Nesta grandiosa aventura mística, nesta “Epopeia das Cruzadas” (René Grousset), a pedra de toque reside no nascimento da ideia de cristandade, e com ela, da ideia de uma unidade e de uma identidade europeias. Do espírito europeu.

Escrito por Paulo Pinto. Portal Conservador.

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Igreja Católica, a maior instituição de caridade do mundo https://portalconservador.com/igreja-catolica-a-maior-instituicao-de-caridade-do-mundo/ https://portalconservador.com/igreja-catolica-a-maior-instituicao-de-caridade-do-mundo/#comments Fri, 13 Feb 2015 17:55:49 +0000 http://portalconservador.com/?p=2004 read more →]]> A Igreja Católica é a mais antiga instituição da humanidade. Com 1,2 bilhão de fieis, é a maior família religiosa e a maior instituição de caridade do planeta. Segundo revelam os dados do último “Anuário Estatístico da Igreja”, publicado pela Agência Fides por ocasião da Jornada Missionária, a Igreja administra 115.352 Institutos sanitários, de assistência e beneficência em todo o mundo.

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Deste número, 5.167 hospitais (a maior parte na América, 1.493 e 1.298 na África); 17.322 dispensários, a maioria na África, 5.256, América 5.137 e Ásia 3.760; 648 leprosários distribuídos principalmente na Ásia (322) e África (229); 15.699 casas para idosos, doentes crônicos e deficientes – Europa (8.200) e América (3.815); 10.124 orfanatrófios, principalmente na Ásia (3.980) e América (2.418); 11.596 jardins da infância, a maior parte na América (3.661) e Ásia (3.441); 14.744 consultores matrimoniais, distribuídos no continente americano (5.636) e Europa (6.173); 3.663 centros de educação e reeducação social, além de 36.386 instituições de outros tipos.

No campo da instrução e da educação, a Igreja administra no mundo 68.119 escolas maternais, frequentadas por 6.522.320 alunos; 92.971 escolas primárias onde estudam 30.973.114 alunos; 42.495 escolas superiores médias com 17.114.737 alunos. Além disso, acompanha 2.288.258 jovens de escolas superiores e 3.275.440 estudantes universitários.

Com todas essas instituições, a Igreja Católica é um parceiro fantástico na prestação de serviços de saúde das nações pobres. Ela atua em áreas remotas e em favor das camadas mais pobres da população, permitindo- lhes, assim, aceder a esses serviços que de outro modo estariam além do seu alcance. E esse grande trabalho merece reconhecimento e apoio não só dos governos, mas de todo cidadão.

 

Como a caridade Católica mudou o mundo

No início do século IV, a fome e a doença assolavam exército do imperador Constantino. Pacômio, um soldado pagão, observava com assombro como muitos dos seus compa­nheiros romanos ofereciam comida e assistência aos que precisavam de ajuda, socorrendo-os sem qualquer discriminação. Cheio de curiosidade, quis saber quem eram essas pessoas e descobriu que eram cristãos. Que tipo de religião era aquela, admirou-se, que podia inspirar tais atos de generosidade e humanidade? Começou a instruir-se na fé e, antes de o perceber, já estava no caminho da conversão.(1)

Esse mesmo sentimento de assombro, continuaram a suscitá-lo as obras de caridade catóicas através dos tempos. O próprio Voltaire, talvez o mais prolífico propagandista anti-católico do século XVIII, se mostrou respeitosamente admirado com o heróico espírito de sacrifício que animou tantos dos filhos e filhas da Igreja. “Talvez não haja nada maior na terra – disse ele – que o sacrifício da juventude e da beleza com que belas jovens, muitas vezes nascidas em berço de ouro, se dedicam a trabalhar em hospitais pelo alívio da miséria humana, cuja vista causa tanta aversão a nossa sensibilidade. Tão generosa caridade tem sido imitada, mas de modo imperfeito, por gente afastada da religião de Roma”(2).

Exigiria volumes sem conta elaborar uma lista completa das obras de caridade católicas promovidas ao longo da história por pessoas, paróquias, dioceses, mosteiros, missionários, frades, freiras e organizações leigas. Basta dizer que a caridade católica não tem paralelo com nenhuma outra, em quantidade e variedade de boas obras, nem no alivio prestado ao sofrimento e miséria humanos. Podemos ir mais longe e dizer que foi a Igreja Católica que inventou a caridade tal como a conhecemos no Ocidente.

Tão importante como o puro volume das obras de benemerência é a diferença qualitativa que distinguiu a caridade da Igreja daquela que a havia precedido. Seria tolice negar que os grandes filósofos antigos proclamaram nobres sentimento traduzidos em filantropia; ou que homens de valor fizeram importantes e substanciais contribuições em prol das suas comunidades.

Não obstante, o espírito de caridade no mundo antigo era em certo sentido, deficiente, se compararmos com aquele que foi praticado pela Igreja. A maior parte dos gestos de generosidade nos tempos antigos envolvia um interesse próprio, não eram puramente gratuitos. Os edifícios financiados pelos ricos exibiam ostensivamente os seus nomes. As doações eram feitas de modo a deixar os beneficiários em dívida para com os doadores, ou então atraíam as atenções para as suas pessoas e a sua grande liberalidade. Servir de coração alegre os necessitados e ampara-los sem nenhuma expectativa de recompensa ou reciprocidade, não era certamente o princípio que prevalecia.

Cita-se por vezes o estoicismo – uma antiga escola de pensamento que remonta mais ou menos ao ano 300 a .C. e que permanecia viva nos primeiros séculos da era cristã. Os estóicos ensinavam que homem bom era aquele que, como cidadão do mundo, cultivava o espírito de fraternidade para com seus semelhantes e, por essa razão, parecia ser mensageiro da caridade. Mas também ensinavam que era preciso suprimir os sentimentos e emoções como coisas impróprias de um homem. Rodney Stack diz que a filosofia clássica “considerava a piedade e a compaixão como emoções patológicas, defeitos de caráter que os homens racionais deviam evitar”(3) Assim o filósofo romano Sêneca escreveu:

“O sábio poderá consolar aqueles que choram, mas sem chorar com eles; Não sentirá compaixão. Socorrerá e fará o bem porque nasceu para assistir os seus semelhantes. O seu rosto e sua alma não denunciarão nenhuma emoção quando olhar para o aleijado, o esfarrapado, o encurvado. Só os olhos doentes se umedecem ao verem lagrimas em outros olhos.”(4)

Entre muitos exemplos de estoicismo, ressalta o de Anaxágoras, um homem que, ao ser informado da morte de seu filho, se limitou a observar: “Eu nunca pensei que tivesse gerado um imortal”. Era simplesmente lógico que aqueles homens, tão impermeáveis à realidade do mal, fossem indolentes na hora de aliviar os seus efeitos sobre seus semelhantes: “Homens que se recusam a reconhecer a dor e doença como males – anota um observador – também estavam pouco propensos a aliviá-las aos outros”.(5)

O espírito de caridade na Igreja nasceu da inspiração do próprio ensinamento de Cristo: (Jo 13,34-35; cfr. Ti 4,11). São Paulo afirmou que os cuidados e caridade dos cristãos deviam ser oferecidos mesmo aos que não pertencessem a comunidade dos fiéis, ainda que inimigos da fé: (cfr. Rom 12,14-20; Gal 6,10).

De acordo com William Lecky, critico severo da Igreja, “não se pode sustentar nem na pratica nem na teoria, nem nas instituições fundadas, nem no lugar que a ela foi atribuído na escala dos deveres, que a caridade ocupasse na Antiguidade um lugar comparável aquele que atingiu no cristianismo.”

 

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Os pobres e doentes

A prática de oferecer dádivas destinadas aos pobres desenvolveu-se cedo na história da Igreja. Os primeiros cristãos que jejuavam com freqüência, doavam aos pobres o dinheiro que teriam gasto com a comida. São Justino Mártir relata que muitas pessoas que tinham amado as riquezas e as coisas materiais antes de se converterem, agora se sacrificavam de ânimo alegre pelos pobres. Os próprios Padres da Igreja, que legaram um enorme corpo literário e erudito a civilização ocidental, encontraram tempo para se dedicarem pessoalmente ao serviço dos seus semelhantes. São João Crisóstomo fundou uma série de hospitais em Constantinopla. São Cipriano e Santo Efrém empenharam-se em promover obras de assistência em tempos de fome e de epidemias.

A Igreja primitiva institucionalizou a atenção às viúvas e aos órfãos, bem como aos enfermos, especialmente durante as epidemias. No século III, São Cipriano, bispo de Cartago, repreendeu a população pagã porque, em vez de ajudar as vítimas da praga, as saqueava. Esse Padre da Igreja conclamou os cristãos a mobilizar-se para assistir os doentes e enterrar os mortos. No caso de Alexandria, o bispo Dionísio relatou que os pagãos “repeliam os que começassem a ficar doentes, afastavam-se deles, mesmo que se tratasse dos amigos mais queridos”. Em contraste, relatou que muitos cristãos “não fugiam de amparar-se uns aos outros visitavam os doentes sem pensar no perigo que corriam e serviam-nos assiduamente”.

Santo Efrém é lembrado pelo seu heroísmo quando a fome e a peste se abateram sobre Edessa, a cidade em cujos arredores vivia como eremita. Não apenas coordenou a coleta e distribuição de esmolas, mas também fundou hospitais, cuidou dos doentes e dos mortos. Eusébio, o historiador da Igreja do século IV, conta-nos que, como resultado do bom exemplo dos cristãos, muitos pagãos “se interessaram por uma religião cujos discípulos eram capazes de uma dedicação tão desinteressada”. Juliano, o Apóstata, que odiava o cristianismo, lamentou a bondade dos cristãos para com os pagãos: “Esses ímpios galileus não alimentam apenas os seus próprios pobres, mas também os nossos.”

 

Os primeiros hospitais e os cavaleiros de São JoãoHospitalario-Portal-Conservador

Discute-se se existiram na Grécia e em Roma instituições semelhantes aos nossos hospitais. Muitos historiadores põem­-no em dúvida, enquanto outros apontam alguma rara exceção aqui e acolá, mas mais para cuidar dos soldados doentes ou fe­ridos do que da população em geral. Parece dever-se a Igreja a fundação das primeiras instituições atendidas por médicos, on­de se faziam diagnósticos, se prescreviam remédios e se contava com um corpo de enfermagem (6).

No século IV, a Igreja começou a patrocinar a fundação de hospitais em larga escala, de tal modo que quase todas as principais cidades acabaram por ter o seu. Na sua origem, esses hospitais tinham por fim hospedar estrangeiros, mas de­pois passaram a cuidar dos doentes, viúvas, órfãos e pobres em geral (7).

Como explica Guenter Risse, os cristãos ultrapassaram “a recíproca hospitalidade que prevalecia na antiga Grécia e as obrigações familiares dos romanos” para cuidarem de atender “grupos sociais marginalizados pela pobreza, doença e idade” (8). No mesmo sentido, o historiador da medicina Fielding Garrison observa que, antes do nascimento de Cristo, “O espírito com que se tratava a doença e o infortúnio não era o de compaixão, e cabe ao cristianismo o crédito pela solicitude em atender o sofrimento humano em larga escala” (9).

Em um ato de penitência cristã, uma mulher chamada Fabíola fundou o primeiro grande hospital público em Roma; percorria as ruas em busca de homens e mulheres pobres e enfermos necessitados de cuidados (2110).

São Basílio Magno, conhecido pelos seus contemporâneos como o Apóstolo das Esmolas, fundou um hospital em Cesárea, no século IV. Era co­nhecido por abraçar os leprosos miseráveis que ali buscavam alívio. Não é de surpreender que os mosteiros também desempenhassem um papel importante no cuidado dos doentes (11). De acordo com o mais completo estudo da história dos hospitais:

“Após a queda do Império Romano, os mosteiros torna­ram-se gradualmente provedores de serviços médicos organizados, dos quais não se dispôs por vários séculos em nenhum lugar da Europa. Para prestar esses cuidados práticos, os mosteiros tornaram-se também lugares de ensino medico entre os séculos V e X” (12).

As ordens militares, fundadas durante as Cruzadas, administravam hospitais por toda a Europa. Uma dessas ordens, a dos Cavaleiros de São João (também conhecidos como hospitalários). Fundou um hospital em Jerusalém no qual atendia pobres e peregrinos. Segundo um sacerdote alemão “A casa alimentava tantas pessoas, de fora e de dentro, e dava tão grande quantidade de esmola aos pobres.” Teodorico de Wurzburg, maravilhou-se de que “andando pelas dependências do hospital, não conseguíamos de modo algum avaliar o número de pessoas que lá jaziam, pois eram milhares as camas que víamos. Nenhum rei ou tirano teria poder suficiente para manter o grande número de pessoas alimentadas diariamente naquela casa”(13).

Diz Gunter Risse: “A existência de uma ordem religiosa que manifestava com tanto ardor a sua lealdade aos doentes inspirou a criação de uma rede de instituições similares, especialmente nos portos da Itália e do sul da França…”

As obras de caridade cató1icas foram tão impressionantes que ate os próprios inimigos da Igreja, muito a contragosto, tiveram de reconhecê-lo. O escritor pagão Luciano (130-200) observou com espanto: “E inacreditável a determinação com que as pessoas dessa religião se ajudam umas as outras nas suas necessidades. Não se poupam em nada, o seu primeiro legislador meteu-lhes na cabeça que eles eram todos irmãos!”[14]

Juliano, o Apóstata, o imperador romano que, nos anos 360, fez a violenta, mas frustrada, tentativa de fazer o Império retornar ao seu primitivo paganismo, admitiu que os cristãos se avantajavam aos pagãos no seu devotamento às obras de caridade. “Enquanto os sacerdotes pagãos negligenciam os pobres – escreveu -, os odiados galileus [isto é, os cristãos] devotam-se às obras de caridade e, em um alarde de falsa compaixão, introduzem com eficácia os seus perniciosos erros. Vede os seus banquetes de amor e as suas mesas preparadas para os indigentes. Tal prática é habitual entre eles e provoca desprezo pelos nossos deuses”[15].

Martinho Lutero, o mais inveterado inimigo da Igreja Católica até o fim da vida, viu-se obrigado admitir: “Sob o Papado, o povo era ao menos caridoso e não havia necessidade de recorrer à força para obter esmolas. Hoje sob o reinado do Evangelho (com isso, referia-se ao protestantismo), em vez de dar, as pessoas roubam-se umas as outras, parece que ninguém julga possuir alguma coisa enquanto não se apropria dos bens do vizinho”[16].

O economista do século XX Simon Patten observou a propósito da ação da Igreja: “Na Idade Media, era muito comum dar comida e abrigo aos trabalhadores, tratar com caridade os desafortunados e aliviá-los das doenças, das pragas e da fome. Quando vemos o número de hospitais e enfermarias, a magna­nimidade dos monges e o sacrifício pessoal das freiras, não po­demos duvidar de que os marginalizados daqueles tempos eram pelo menos tão bem assistidos como os de agora”[17].

Fre­derick Hurter, um biógrafo do papa Inocêncio III no século XIX, chegou a declarar: “Todas as instituições de beneficência que a raça humana possui hoje em dia para minorar a sorte dos desafortunados, tudo o que tem sido feito para socorrer os indigentes e os aflitos nas vicissitudes das suas vidas e em qualquer tipo de sofrimento, procede direta ou indiretamente da Igreja de Roma. Ela deu o exemplo, perseverou na sua tare­fa e, com freqüência, proporcionou os meios necessários para leva-la a cabo”[18].

A extensão das atividades caritativas da Igreja aprecia-se às vezes com mais clareza quando deixam de existir. Na Inglater­ra do século XVI, por exemplo, o rei Henrique VIII (separou da Igreja Católica) suprimiu os mosteiros e confiscou-lhes as propriedades, distribuindo-as a preço de banana entre os homens influentes do seu reino. O pretexto para essa medida foi que os mosteiros se haviam tor­nado fonte de escândalo e imoralidade, embora restem poucas dívidas de que tais acusações fantasiosas não faziam mais do que dissimular a cobiça real. As consequências sociais da dis­solução dos mosteiros devem ter sido muito significativas. Os Levantes do Norte de 1536, uma rebelião popular também co­nhecida como a Peregrinação da Graça, tiveram muito a ver com a ira popular causada pelo desaparecimento da caridade monástica. Em uma petição dirigida ao rei dois anos mais tar­de, observava-se:

“A experiência que tivemos com a supressão dessas ca­sas mostra-nos claramente que se provocou e continuará a provocar-se neste reino de Vossa Majestade um grande mal e uma grande deterioração, assim como um grande empobrecimento de muitos dos vossos humildes súditos.”

 

Referências

(1) Alvin J. Schmiclt, Under the Influence: How Christianitv Transformed Civilization, Zonclcrvan, Grancl Rapids, Michigan, 200 I, pag .. J 30.
(2) Michael Davies, For Altar and Throne: The Rising in the Vendee, Rill nant Press, St. Paul, Minnesota, 1997, pag. 13.
(3) Vicent Carroll e David Shiflett, Christianity on Trial, Encounter Books, San Francisco, 2001, pág. 142.
(4) William Edward Hartpole Lecky, History of European Morals from Augustus to Charlemagne, vol. 1, D. Appleton and Co., New York, 1870, págs. 199-200.
(5) Ibid., pág. 202.
(6) Alvin J. Schmidt, Under the Influence, págs. 153-5.
(7) John A. Ryan, “Charity and Charities”, em Catholic Enciclopedia; Guenter B. Risse, Mending Bodies, Saving Souls: A History of Hospitals, Oxford University Press, New York, 1999, págs. 79 e segs.
(8) Guenter B. Risse, Mending Bodies, Saving Souls, pág. 73.
(9) Fielding H. Garrison, An Introduction of the History of Medicine, W.B.
Saunders, Philadelphia, 1914, pág. 118; citado em Alvin J. Schmidt, Under the Influence, pág. 131.
(10) William E.H. Lecky, History of European Morals from Augustus to Charlemagne, vol. I, pág. 85.
(11) Roberto Margotta, The History of Medicine, Paul Lewis, cd., Smith­mark, New York, 1996, pág. 52.
(12) Guenter B. Risse, Mending Bodies, Saving Souls, pág. 95.
(13) Ibid., pág. 138.
[14] Vincent Carroll e David ShiOett, Christianity on Trial, pag. 143.
[15] Cajctan BaluFri, The Charity or the Church, pag. 16.
[16] Ibid., rag. 185.
[17] Citado em John A. Ryan, “Chal’ity and Charities”, em Catholic Ency­clopedia.
[18] Cajetan Baluffi, The Charity or the Church, pag. 257.

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A perseguição global ao Cristianismo https://portalconservador.com/a-perseguicao-global-ao-cristianismo/ https://portalconservador.com/a-perseguicao-global-ao-cristianismo/#comments Sun, 07 Dec 2014 14:59:37 +0000 http://portalconservador.com/?p=1446 read more →]]> “O número de cristãos perseguidos no mundo é de 150 milhões.” Há muitas outras estatísticas, terríveis e dramáticas, nas páginas do “livro negro da situação dos cristãos no mundo”, uma iniciativa única de estudiosos franceses e coordenada pelo jornalista Samuel Lieven. Instantâneos de uma guerra global e amorfa.

Em particular, há uma estatística desconcertante: “80 por cento dos atos de perseguição religiosa no mundo são contra cristãos”. Quantas vítimas? O Centro para o Estudo do Cristianismo Global traz a média de cem mil cristãos mortos a cada ano por sua fé ao longo da última década. Uma média de cinco cristãos a cada minuto.

Jeon-Lerome-Portal-Conservador

A pintura de Jeon Lerome retrata o martírio dos cristãos sob a égide do Império Romano. No mundo atual, a perseguição é ainda mais brutal e generalizada. Na América Latina, os cristãos veem sua fé sendo destroçada pelos regimes socialistas. Na Europa, assistem passivamente a dominação islâmica. No Oriente Médio, quando não decapitados, acabam expulsos. Na África, são caçados e queimados como animais.

Ontem, no Paquistão, dois cristãos, incluindo uma mulher grávida, foram queimados vivos no forno de tijolos, onde trabalhavam. Foi um massacre, com a participação de quatrocentos muçulmanos.

Haim Korsia, rabino-chefe da França, grita sua reação em face da disseminação do ódio contra os cristãos, e estabelece uma comparação com a destruição do judaísmo sefardita oriental:

“Onde estão as comunidades judaicas, uma vez tão ricas de Aleppo, Beirute, Alexandria, Cairo ou Trípoli? Onde estão as escolas de Nehardea e Pumbedita no Iraque? E onde está o florescimento do judaísmo em Esfahan e Teerã? Em nossa memória. Expulsos, mortos, dizimados, perseguidos e exilados, os cristãos do Oriente estão experimentando pessoalmente a mesma situação como os judeus com quem eles viveram por tanto tempo e ter visto deixando esses lugares “.

A ONG Portas Abertas declarou que a perseguição no Iraque atingiu “proporções bíblicas”. Terça-feira, em Roma, também foi apresentado o relatório anual de Ajuda à Igreja que Sofre. Ele disse que dos 20 países do mundo onde a liberdade religiosa é praticamente ausente, 14 são muçulmanos, e as ditaduras militares ou os outros comunistas, como a Coréia do Norte. Estamos enfrentando o que Habib Malik, da Universidade de Stanford chama de “a última fase do declínio regional dos cristãos”.

Hoje a cidade de Mosul parece ter sido engolida, como Jonas esteve no ventre da baleia.

“Entre 2003 e 2009, cerca de 800 cristãos foram executados [lá] a sangue frio, sem contar os cinqüenta mártires da catedral católica síria em Bagdá, incluindo dois padres, mortos em 31 de outubro de 2010. Até o momento, o número de cristãos mortos ultrapassa mil, incluindo um bispo e cinco padres. Mais de sessenta igrejas foram destruídas “.

No livro, um jihadista do Estado Islâmico fala ao telefone com o seu líder terrorista: “Eu tenho uma família de cristãos que não quer se converter, o que vamos fazer?” Uma frase que me fez lembrar dos pastores Tutso Adventistas do Sétimo Dia que, durante o genocídio em Ruanda, recorreram ao seu pastor com uma carta: “Gostaríamos de informar que amanhã seremos mortos com nossas famílias.”

Há os cristãos de Ma’aloula na Síria, como Taalab Antoun e seus dois primos, que receberam o ”aman “, a garantia islâmica de serem poupados. Desarmados e confiando na palavra dos rebeldes, foram mortos e depois decapitados.

Quinhentos mil cristãos já deixaram a Síria.

E antes deles, havia a história de Jean-Pierre Schumacher, o último monge de Tibhirine, na Argélia, onde os islâmicos masacraram os maravilhosos monges trapistas que compartilhavam refeições com os muçulmanos. Ele foi salvo porque os jihadistas contaram errado. Mais tarde, no funeral dos monges, o irmão Jean-Pierre pediu para abrir o caixão para prestar suas últimas homenagens a seus companheiros. Ele descobriu que as caixas não continham corpos, mas apenas sete cabeças.

Esse massacre foi o sinal verde para futuros massacres.

Escrito por Giulio Meotti. Traduzido por Josué Bueno.

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A Cruzada do Século XXI https://portalconservador.com/a-cruzada-do-seculo-xxi/ https://portalconservador.com/a-cruzada-do-seculo-xxi/#comments Sun, 06 Jul 2014 01:02:09 +0000 http://portalconservador.com/?p=807 read more →]]> As Cruzadas foram um acontecimento extraordinário na História, cuja glória subsiste e subsistirá para todo o sempre. Não importa que certos católicos — mesmo situados em altos cargos na Igreja — manifestem vergonha por elas. Estes, por não terem espírito cruzado, não são católicos militantes. Nem possuem o verdadeiro espírito católico. Pois está na essência da Igreja essa militância.

Católicos não militantes infiltraram-se na Igreja, trazendo para dentro dela um outro espírito. Não apresentam da Igreja senão certas formas exteriores, nem têm consonância com a Roma dos Santos e dos Mártires. Tempo virá em que esses elementos infiltrados serão afastados e a Santa Igreja voltará a brilhar com toda a sua autêntica militância.

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Quando os cruzados medievais saíam à luta, eram estimulados pela sociedade, voltada para os direitos de Deus e sua maior glória. Nessa época, dava-se grande valor à prática dos Dez Mandamentos e aos bons costumes ditados pela Moral católica. Uma grande sacralidade estava presente na Igreja e se difundia na ordem temporal.

Hoje, a sociedade é muito diferente: aprecia-se num rapaz a constante revolta contra a hierarquia, a irreverência e o descumprimento da lei moral. Numa moça, elogia-se sua sensualidade, ao invés da pureza e do recato. Numa criança, festeja-se o erotismo precoce e os modos tirânicos com que afirma a igualdade de direitos em relação aos seus pais. Ou aplaude-se a prática das virtudes ecológicas, que manifestam sua iniciação na religião da natureza. Os adultos sentem vergonha de serem honestos, a corrupção é tolerada por toda a parte e mesmo aplaudida. E a velhice, coitada, perdeu a sua sabedoria, dignidade e glória e aceitou ser identificada apenas com suas deficiências.

Por toda a parte as instituições são demolidas por seus próprios dirigentes. As elites em geral não exercem sua relevante função social e se voltam para o gozo da vida. Aqueles que deveriam proteger a Igreja, o Estado e a Civilização mostram-se indiferentes. Este é o atual ambiente revolucionário.

A guerra psicológica revolucionária — desafio para os novos cruzados

Houve uma gloriosa Cruzada no século XX. Está havendo outra neste início de milênio. Na verdade, há um nexo de continuidade entre ambas. Sem elogios, sem festas, sem aplausos os novos cruzados avançam e enfrentam o ambiente revolucionário. Seguem os passos daquele que lutou antes deles — Plinio Corrêa de Oliveira, o Cruzado do Século XX. Aqui, percebem o murmúrio que solapa suas iniciativas. Ali, são vítimas da conspiração do silêncio que sufoca seus esforços e os apequenam. Acolá, recebem o bombardeio implacável das críticas e zombarias. Contra essas armas tão destruidoras do ânimo os cruzados medievais não tiveram que lutar.

Quem entra numa guerra sabe que receberá maus tratos e sofrerá muitos padecimentos causados pelo inimigo. Mas na cruzada em que estamos engajados, os mais próximos muitas vezes nos causam mais dor do que o inimigo.

Os adversários agitam os argumentos da impiedade, da blasfêmia, do vício. Mas os que deixaram cair por terra os estandartes que antes desfraldaram, mostram-se engenhosos ao suscitar questões de virtude, acusando os novos cruzados de serem orgulhosos por se terem lançado na luta por conta própria; mostram-se incoerentes e contraditórios, ao levantar questões de autoridade e legitimidade, apontando-os como revoltados, por não seguirem os líderes compromissados. E dizem contra eles tanta coisa mais, que são de causar inveja aos fariseus. Os acomodados, os omissos, os covardes, os traidores, estão dispostos a percorrer mares e terras para fazer um prosélito, para lhe transmitir, em altos brados ou de boca a ouvido, o comportamento politicamente correto estabelecido pelos manipuladores da opinião.

Ouve-se o ruído do campo de batalha. Não é possível ficar indiferente a ele. É o estrondo da maior guerra contra o bem da História. O objetivo da Revolução gnóstica é a conquista universal, para isso busca alcançar os cargos de chefia no Estado e os lugares de destaque na sociedade. Visa a conquista das almas, pela transformação das mentalidades, dos costumes, da maneiras de ser e de pensar. É uma guerra psicológica total, voltada para o domínio de todo o homem e das estruturas da civilização que o envolvem.

Estas são as estratégias mais freqüentes que a Revolução utiliza nessa guerra psicológica:

1. Anestesiar as reações contra o Progressismo na Igreja, desviando as atenções para os pequenos problemas individuais relativos aos interesses materiais, saúde e conforto.

2. Dividir aqueles que ainda mantém uma boa posição, ou descer sobre eles a cortina do silêncio. Se isto não for possível, persegui-los através do ridículo e da difamação.

3. Difundir o caos por todos os aspectos da vida social, de forma que os padrões de ordem, moralidade e sacralidade herdados da Civilização Cristã fiquem completamente evanescidos. E em seu lugar, surja um conjunto de problemas sem solução que atormente a toda hora a vida de cada pessoa.

Vaticano II — o maior êxito da guerra psicológica revolucionária

Nos últimos quarenta anos, viu-se a progressiva demolição do maior bastião de luta contra a Revolução no mundo, onde estavam concentradas as maiores energias morais e espirituais da reação. A Igreja Católica foi alvo de uma ofensiva psicológica tremenda, não só da parte de seus adversários externos, mas também dos agentes revolucionários nela infiltrados com a intenção de destruí-la.

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O Concílio Vaticano II foi uma das maiores calamidades, se não a maior, da História da Igreja. Seus documentos oficiais silenciaram sobre os maiores inimigos da sociedade, o comunismo e o socialismo.[1]

Na fase pós-conciliar, o câncer do Progressismo instalado na Igreja gerou inúmeras metástases: a reforma litúrgica da missa, o ecumenismo, a política de aproximação do Vaticano com o mundo comunista etc. Nessa fase uma notável reviravolta se operou: a Igreja , que era o maior bastião da luta contra a Revolução, se transformou, com freqüência, em propulsor da Teologia da Libertação, do Feminismo, da Revolução Cultural e do Tribalismo.

Sendo a Igreja o cerne da Contra-Revolução, a infiltração progressista-modernista tomou de assalto o principal pólo da boa causa. De João XXIII a Bento XVI, os Papas conciliares promoveram os ideais revolucionários do Estado Moderno, como por exemplo, ao concederem apoio incondicional às Nações Unidas, favorecedora da implantação da República Universal no mundo.

Como o principal fomento da revolução social procede da ação ou omissão dos círculos eclesiásticos, tornou-se imperativo para os católicos militantes — mesmo leigos — travarem até dentro dos muros da Igreja a batalha contra o inimigo infiltrado.

Esta foi a Cruzada do Século XX. É também a Cruzada do Século XXI, que continuará até que venha o triunfo do Imaculado e Sapiencial Coração de Maria, tendo como mais importante arena de combate a própria cidadela católica.

O caos — nova frente de combate da Contra-Revolução

Outro fator, antes secundário, ganhou importância, e hoje ocupa lugar central na estratégia revolucionária, a tal ponto, que toda a luta psicológica contra-revolucionária se torna desatualizada e ineficaz se não levá-lo em conta: a produção do caos.

A anarquia, a anomia e o caos estão se alastrando por toda a parte, atingindo muitos aspectos da vida social e individual:

Socialmente, os Estados Unidos entraram numa espécie de estado caótico de medo com o ataque terrorista contra as Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001. Muita coisa mudou desde então. Em muitos aspectos o direito de ir e vir, que caracteriza a sociedade livre e ordenada, foi seriamente afetado. As pessoas não podem mais se deslocar e viajar como antes.

Com os conflitos da periferia urbana, a França em 2005 revelou sua completa vulnerabilidade diante da agitação islâmica, causada pelas concessivas leis de imigração. A própria democracia entrou em crise de identidade, devido a essas leis que colocam em risco a sua sobrevivência. Com milhões de muçulmanos admitidos como cidadãos, o povo francês está sentado sobre um barril de pólvora que pode explodir a qualquer momento espalhando a “dawa” (o caos, em árabe). Análogo perigo ameaça a Inglaterra, Alemanha e Espanha.

Economicamente, a recente bancarrota em cadeia de gigantescas instituições financeiras nos Estados Unidos projeta a perspectiva do caos econômico no Ocidente, apesar de alguns líderes latino-americanos se jactarem de que suas nações não serão afetadas.

Militarmente, o caos também está presente. O conflito árabe-israelense está estabelecido desde a fundação de Israel, e não há perspectivas de paz no horizonte. A guerra no Afeganistão não terminou e pode continuar nas próximas décadas. O mesmo pode ser dito com relação ao panorama do caótico Iraque.

Moralmente, o Ocidente abriu as portas para a sua própria destruição ao aceitar a promoção do homossexualismo, aborto, eutanásia, direito dos animais, feminismo etc. Nenhuma sociedade na História conseguiu sobreviver muito tempo depois de admitir essas aberrações. Quando esses comportamentos são considerados normais, entra em caos a formação das novas gerações.

Psicologicamente, essas várias modalidades de caos, somadas a muitos outros aspectos antinaturais da Revolução, produzem a quebra do psiquismo humano. Nota-se hoje muito mais pessoas sofrendo de problemas mentais e psicológicos do que antes.

Nessa grande ofensiva do caos, a missão da Contra-Revolução é esclarecer, descrevendo tão claramente quanto possível o que está errado e como as coisas deveriam ser, e apontar quem está por detrás do caos induzido. Nessa tarefa, os novos cruzados preparam os corações e as mentes para a vinda de uma era de ordem.

Espiritualmente, o processo de caos começou bem antes na Igreja. Desde o Concílio Vaticano II, a autoridade eclesiástica iniciou a autodemolição de suas instituições, doutrinas, tradições etc. A autodemolição da Igreja encontra-se hoje em adiantado estado de execução; a mesma mão que demole, espalha também o caos.

O aspecto pulcro desta Cruzada

Manter a posição de resistência diante das autoridades demolidoras é a primeira obrigação dos novos cruzados. Essa luta no momento une pessoas situadas principalmente nas três Américas e na Europa. É preciso que em todo mundo os que têm as mesmas bandeiras de luta se conheçam e se unam.

Este artigo — “A Cruzada do Século XXI” — é uma homenagem e um agradecimento ao prof. Plinio Corrêa de Oliveira, no ano do centenário de seu nascimento. Além do exemplo heróico como batalhador infatigável contra a guerra psicológica revolucionária, deixou-nos o modelo da plena identificação com a sacralidade.

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Se São Francisco de Assis foi a pobreza, e São Bernardo o recolhimento, de Plinio Corrêa de Oliveira podemos dizer que foi, na História da Igreja, a sacralidade militante. Estandarte sempre desfraldado, viseira erguida sem ocultar sua face, aplicou todas as suas energias na grande gesta católica, e proclamou:

“Eu me tornei um Cruzado, um homem diferente de todos os homens. Porque Nosso Senhor Jesus Cristo, que é a perfeição de todas as coisas, a realização do que há de mais perfeito, vai ser vingado agora por mim. Eu vou realizar a beleza da luta pela luta, da vingança pela vingança de Cristo Nosso Senhor, por Cristo Nosso Senhor.”

NOTA:

[1] Plinio Corrêa de Oliveira, Revolução e Contra-Revolução, parte III, cap 2, 4 A.

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A Cruzada do Século XX https://portalconservador.com/a-cruzada-do-seculo-xx/ https://portalconservador.com/a-cruzada-do-seculo-xx/#comments Tue, 01 Jan 2013 00:41:18 +0000 http://portalconservador.com/?p=45 read more →]]> Na Idade Média, os cruzados derramaram seu sangue para libertar das mãos dos infiéis o Sepulcro de N. S. Jesus Cristo, e instituir um Reino Cristão na Terra Santa.

Hoje, corre de novo o sangue dos filhos da Igreja, na Hungria, e na Polônia, como na Checoslováquia e na China. Para que? Para libertar a Cristandade do jugo do anti-Cristo comunista, e restaurar no mundo o Reino de Cristo. Mas o que é o Reino de Cristo, ideal supremo dos católicos, e, pois, meta constante desta folha? É o que procuramos definir na enumeração de princípios, marco luminar de nossa atividade.

O Reino de Cristo

A Igreja Católica foi fundada por N. S. Jesus Cristo para perpetuar entre os homens os benefícios da Redenção. Sua finalidade se identifica, pois, com a da própria Redenção: expiar os pecados dos homens pelos méritos infinitamente preciosos do Homem-Deus; restituir assim a Deus a glória extrínseca que o pecado Lhe havia roubado; e abrir aos homens as portas do Céu. Esta finalidade se realiza toda no plano sobrenatural, e com ordem à vida eterna. Ela transcende absolutamente tudo quanto é meramente natural, terreno, perecível. Foi o que N. S. Jesus Cristo afirmou, quando disse a Pôncio Pilatos “meu Reino não é deste mundo” (João, 18-36).

* A vida terrena se diferencia, assim, e profundamente, da vida eterna. Mas estas duas vidas não constituem dois planos absolutamente isolados um do outro. Há nos desígnios da Providência uma relação íntima entre a vida terrena e a vida eterna. A vida terrena é o caminho, a vida eterna é o fim. O Reino de Cristo não é deste mundo, mas é neste mundo que está o caminho pelo qual chegaremos até ele.

* Assim como a Escola Militar é o caminho para a carreira das armas, ou o noviciado é o caminho para o definitivo ingresso numa Ordem Religiosa, assim a terra é o caminho para o Céu.

Temos uma alma imortal, criada à imagem e semelhança de Deus. Esta alma é criada com um tesouro de aptidões naturais para o bem, enriquecidas pelo batismo com o dom inestimável da vida sobrenatural da graça. Cumpre-nos, durante a vida, desenvolver até a sua plenitude estas aptidões para o bem.

Com isto, nossa semelhança com Deus, que era em algum sentido ainda incompleta e meramente potencial, torna-se plena e atual.

A semelhança é a fonte do amor. Tornando-nos plenamente semelhantes a Deus, somos capazes de O amar plenamente, e de atrair sobre nós a plenitude de Seu amor.

Ficamos, assim, preparados para a contemplação de Deus face a face, e para aquele eterno ato de amor, plenamente feliz, para o qual somos chamados no Céu.

A vida terrena é, pois, um noviciado em que preparamos nossa alma para seu verdadeiro destino, que é ver a Deus face a face, e amá-Lo por toda a eternidade.

* Apresentando a mesma verdade em outros termos, podemos dizer que Deus é infinitamente puro, infinitamente justo, infinitamente forte, infinitamente bom. Para O amarmos, devemos amar a pureza, a justiça, a fortaleza, a bondade. Se não amamos a virtude, como podemos amar a Deus que é o Bem por excelência? De outro lado, sendo Deus o Sumo Bem, como pode amar o mal? Sendo a semelhança a fonte do amor, como pode Ele amar a quem é totalmente dissemelhante dEle, a quem é consciente e voluntariamente injusto, covarde, impuro, mau?

Deus deve ser adorado e servido sobretudo em espírito e em verdade (João 4,25). Assim, cumpre que sejamos puros, justos, fortes, bons, no mais íntimo de nossa alma. Mas se nossa alma é boa, todas as nossas ações o devem ser necessariamente, pois que a árvore boa não pode produzir senão bons frutos (Mat.7,17-18). Assim, é absolutamente necessário, para que conquistemos o Céu, não só que em nosso interior amemos o bem e detestemos o mal, mas que por nossas ações pratiquemos o bem e evitemos o mal.

* Mas a vida terrena é mais do que o caminho da eterna bem-aventurança. O que faremos no Céu? Contemplaremos Deus face a face, à luz da glória, que é a perfeição da graça, e O amaremos inteiramente e sem fim. Ora, o homem já goza da vida sobrenatural nesta terra, pelo Batismo. A Fé é uma semente da visão beatífica. O amor de Deus, que ele pratica crescendo na virtude e evitando o mal, já é o próprio amor sobrenatural com que ele adorará a Deus no Céu.

O Reino de Deus se realiza na sua plenitude no outro mundo. Mas para todos nós ele começa a se realizar em estado germinativo já neste mundo. Tal como em um noviciado, já se pratica a vida religiosa, embora em estado preparatório; e em uma escola militar um jovem se prepara para o Exército… vivendo a própria vida militar.

E a Santa Igreja Católica já é neste mundo uma imagem, e mais do que isto, uma verdadeira antecipação do Céu.

Por isto, tudo quanto os Santos Evangelhos nos dizem do Reino dos Céus pode com toda a propriedade e exatidão ser aplicado à Igreja Católica, à Fé que ela nos ensina a cada uma das virtudes que ela nos inculca.

* É este o sentido da festa de Cristo Rei. Rei Celeste antes de tudo. Mas Rei cujo governo já se exerce neste mundo. É Rei quem possui de direito a autoridade suprema e plena. O Rei legisla, dirige e julga. Sua realeza se torna efetiva quando os súditos reconhecem seus direitos, e obedecem a suas leis. Ora, Jesus Cristo possui sobre nós todos os direitos. Ele promulgou leis, dirige o mundo e julgará os homens. Cabe-nos tornar efetivo o Reino de Cristo obedecendo a suas leis.

* Este reinado é um fato individual, enquanto considerado na obediência que cada alma fiel presta a N. S. Jesus Cristo. Com efeito, o Reinado de Cristo se exerce sobre as almas; e, pois, a alma de cada um de nós é parcela do campo de jurisdição de Cristo Rei. O Reinado de Cristo será um fato social se as sociedades humanas Lhe prestarem obediência.

Pode-se dizer, pois, que o Reino de Cristo se torna efetivo na terra, individual e social, quando os homens no íntimo de sua alma como em suas ações, e as sociedades em suas instituições, leis, costumes, manifestações culturais e artísticas, se conformam com a Lei de Cristo.

* Por mais concreta, brilhante e tangível que seja a realidade terrena do Reino de Cristo — no século XIII, por exemplo — é preciso não esquecer que este Reino não é senão preparação e proêmio. Na sua plenitude, o Reino de Deus se realizará no Céu: “O meu Reino não é deste mundo…” (João, 18-36).

Ordem, Harmonia, Paz, Perfeição

* A ordem, a paz, a harmonia, são características essenciais de toda a alma bem formada, de toda a sociedade humana bem constituída. Em certo sentido, são valores que se confundem com a própria noção de perfeição.

Todo o ser tem um fim próprio, e uma natureza adequada à obtenção deste fim. Assim, uma peça de relógio tem fim próprio, e, por sua forma e composição, é adequada à realização deste fim.

* A ordem é a disposição das coisas, segundo sua natureza. Assim, um relógio está em ordem quando todas as suas peças estão ordenadas segundo a natureza e o fim que lhes é próprio. Diz-se que há ordem no universo sideral porque todos os corpos celestes estão ordenados segundo sua natureza e fim.

* Existe harmonia quando as relações entre dois seres são conformes à natureza e o fim de cada qual. A harmonia é o operar das coisas umas em relação às outras, segundo a ordem.

* A ordem engendra a tranqüilidade. A tranqüilidade da ordem é a paz. Não é qualquer tranqüilidade que merece ser chamada paz mas apenas a que resulta da ordem. A paz de consciência é a tranqüilidade da consciência reta: não pode confundir-se com o letargo da consciência embotada. O bem estar orgânico produz uma sensação de paz que não pode ser confundida com a inércia do estado de coma.

* Quando um ser está inteiramente disposto segundo sua natureza, está em estado de perfeição. Assim uma pessoa com grande capacidade de estudo, grande desejo de estudar, posta em uma Universidade em que haja todos os meios para fazer os estudos que deseja, está posta, do ponto de vista dos estudos, em condições perfeitas.

* Quando as atividades de um ser são inteiramente conformes à sua natureza, e tendem inteiramente para seu fim, estas atividades são, de algum modo, perfeitas. Assim, a trajetória dos astros é perfeita, porque corresponde inteiramente à natureza e ao fim de cada qual.

* Quando as condições em que um ser se encontra são perfeitas, suas operações o são também, e ele tenderá necessariamente para o seu fim, com o máximo da constância, do vigor e do acerto. Assim se um homem está em condições perfeitas para andar, isto é, sabe, quer e pode andar, andará de modo irrepreensível.

* O verdadeiro conhecimento do que seja a perfeição do homem e das sociedades depende de uma noção exata sobre a natureza e fim do homem.

* O acerto, a fecundidade, o esplendor das ações humanas, quer individuais, quer sociais, também está na dependência do conhecimento de nossa natureza e fim.

* Em outros termos, a posse da verdade religiosa é a condição essencial da ordem, da harmonia, da paz e da perfeição.

A perfeição cristã

* O Evangelho nos aponta um ideal de perfeição “sede perfeitos como vosso Pai celeste é perfeito” (Mat. 5,48). Este conselho que nos foi dado por N. S. Jesus Cristo, Ele mesmo no-lo ensina a realizar. Com efeito, Jesus Cristo é a semelhança absoluta da perfeição do Pai Celeste; o modelo supremo que todos devemos imitar.

N. S. Jesus Cristo, suas virtudes, seus ensinamentos, suas ações, são o ideal definido da perfeição para o qual o homem deve tender.

* As regras desta perfeição se encontram na Lei de Deus, que N. S. Jesus Cristo “não veio abolir, mas completar” (Mat. 5,17), nos preceitos e conselhos evangélicos. E para que o homem não caísse em erro no interpretar os mandamentos e os conselhos, N. S. Jesus Cristo instituiu uma Igreja infalível, que tem o amparo divino para nunca errar em matéria de Fé e moral. A fidelidade de pensamento e de ações em relação ao magistério da Igreja é pois o modo pelo qual todos os homens podem conhecer e praticar o ideal de perfeição que é N.S. Jesus Cristo.

* Foi o que fizeram os Santos que praticando de modo heróico as virtudes que a Igreja ensina, realizaram a imitação perfeita de N.S. Jesus Cristo e do Pai Celeste. É tão verdadeiro que os Santos chegaram à mais alta perfeição moral que próprios inimigos da Igreja quando não os cega a impiedade, o proclamam. De São Luís, Rei da França, por exemplo, escreveu Voltaire: “Não é possível ao homem levar mais longe a virtude”. O mesmo se poderia dizer de todos os Santos.

* Deus é o autor de nossa natureza, e, pois, de todas as aptidões e excelências que nela se encontram. Em nós, só o que não provém de Deus são os defeitos, frutos do pecado original ou dos pecados atuais.

O Decálogo não poderia ser contrário à natureza que Ele próprio criou em nós: pois, sendo Deus perfeito, não pode haver contradição em suas obras.

Por isto, o Decálogo nos impõe ações que a nossa própria razão nos mostra serem conformes com a natureza, como honrar pai e mãe, e nos proíbe ações que pela simples razão vemos serem contrárias à ordem natural, como a mentira.

* Nisto consiste, no plano natural, a perfeição intrínseca da Lei, e a perfeição pessoal que adquirimos praticando-a. É que todas as operações conformes à natureza do agente são boas.

* Em conseqüência do pecado original, ficou o homem com propensão de praticar ações contrárias à sua natureza retamente entendida. Assim, ficou sujeito ao erro no terreno da inteligência, e ao mal no campo da vontade.

Tal propensão é tão acentuada, que, sem o auxílio da graça, não seria possível aos homens conhecer nem praticar, duravelmente e em sua totalidade, os preceitos da ordem natural. Revelando-os, no alto do Sinai, instituindo, na Nova Aliança, uma Igreja destinada a protegê-los contra os sofismas e as transgressões do homem, e os Sacramentos e outros meios de piedade destinados a fortalecê-lo com a graça, remediou esta insuficiência do homem.

A graça é um auxílio sobrenatural, destinado a robustecer a inteligência e a vontade do homem para lhe permitir a prática da perfeição. Deus não recusa a graça a ninguém. A perfeição é, pois, acessível a todos.

* Pode um infiel conhecer e praticar a Lei de Deus? Recebe ele a graça de Deus? Cumpre distinguir. Em princípio, todos os homens que têm contato com a Igreja Católica recebem graça suficiente para conhecer que ela é verdadeira, nela ingressar, e praticar os Mandamentos. Se, pois, alguém se mantém voluntariamente fora da Igreja, se é infiel porque recusa a graça da conversão, que é o ponto de partida de todas as outras graças, fecha para si as portas da salvação. Mas se alguém não tem meios de conhecer a Santa Igreja — um pagão, por exemplo, cujo país não tenha recebido a visita de missionários — tem a graça suficiente para conhecer, pelo menos os princípios mais essenciais da Lei de Deus, e os praticar, pois Deus a ninguém recusa a salvação.

* Cumpre entretanto observar que, se a fidelidade à Lei exige sacrifícios por vezes heróicos dos próprios católicos que vivem no seio da Igreja banhados pela superabundância da graça e de todos os meios de santificação, muito maior ainda é a dificuldade que têm em praticá-la os que vivem longe da Igreja, e fora desta superabundância. É o que explica serem tão raros — verdadeiramente excepcionais — os gentios que praticam a Lei.

O ideal cristão da perfeição social

* Se admitirmos que em determinada população a generalidade dos indivíduos pratica a Lei de Deus, que efeito se pode esperar daí para a sociedade? Isto equivale a perguntar se, em um relógio, cada peça trabalha segundo sua natureza e seu fim, que efeito se pode esperar daí para o relógio? Ou, se cada parte de um todo é perfeita, o que se deve dizer do todo?

* Há sempre algum risco em exemplificar com coisas mecânicas, em assuntos humanos. Atenhamo-nos à imagem de uma sociedade em que todos os membros fossem bons católicos, traçada por Santo Agostinho: imaginemos “um exército constituído de soldados como os forma a doutrina de Jesus Cristo, governadores, maridos, esposos, pais, filhos, mestres, servos, reis, juizes, contribuintes, cobradores de impostos como os quer a doutrina cristã! E ousem (os pagãos) ainda dizer que essa doutrina é oposta aos interesses do Estado! Pelo contrário, cumpre-lhes reconhecer sem hesitação que ela é uma grande salvaguarda para o Estado, quando fielmente observada” (Epíst. CXXXVIII al. 5 ad Marcellinum, cap. II, n. 15).

E em outra obra o Santo Doutor, apostrofando a Igreja Católica, exclama: “Conduzes e instrues as crianças com ternura, os jovens com vigor, os anciãos com calma, como comporta a idade não só do corpo mas da alma. Submetes as esposas a seus maridos, por uma casta e fiel obediência, não para saciar a paixão, mas para propagar a espécie e constituir a sociedade doméstica. Conferes autoridade aos maridos sobre as esposas, não para que abusem da fragilidade do seu sexo, mas para que sigam as leis de um sincero amor. Subordinas os filhos aos pais por uma terna autoridade. Unes não só em sociedade, mas em uma como que fraternidade os cidadãos aos cidadãos, as nações às nações, e os homens entre si, pela recordação de seus primeiros pais. Ensinas aos reis a velar pelos povos, e prescreves aos povos que obedeçam os reis. Ensinas com solicitude a quem se deve a honra, a quem o afeto, a quem o respeito, a quem o temor, a quem o consolo, a quem a advertência, a quem o encorajamento, a quem a correção, a quem a reprimenda, a quem o castigo; e fazes saber de que modo, se nem todas as coisas a todos se devem, a todos de deve a caridade e a ninguém a injustiça” (De Moribus Ecclesiae, cap. XXX, n. 63).

* Seria impossível descrever melhor o ideal de uma sociedade inteiramente cristã. Poderia em uma sociedade a ordem, a paz, a harmonia, a perfeição ser levada a limite mais alto? Uma rápida observação nos baste para completar o assunto. Se hoje em dia todos os homens praticassem a Lei de Deus, não se resolveriam rapidamente todos os problemas políticos, econômicos, sociais, que nos atormentam? E que solução se poderá esperar para eles enquanto os homens viverem na inobservância habitual da Lei de Deus?

* A sociedade humana realizou alguma vez este ideal de perfeição? Sem dúvida. Di-lo o imortal Leão XIII: operada a Redenção e fundada a Igreja, “como que despertando de antiga, longa e mortal letargia, o homem percebeu a luz da verdade, que tinha procurado e desejado em vão durante tantos séculos; reconheceu sobretudo que tinha nascido para bens muito mais altos e muito mais magníficos do que os bens frágeis e perecíveis que são atingidos pelos sentidos, e em torno dos quais tinha até então circunscrito seus pensamentos e suas preocupações. Compreendeu ele que toda a constituição da vida humana, a lei suprema, o fim a que tudo se deve sujeitar, é que, vindos de Deus, um dia devamos retornar a Ele.

“Desta fonte, sobre este fundamento, viu-se renascer a consciência da dignidade humana; o sentimento de que a fraternidade social é necessária fez então pulsar os corações; em conseqüência, os direitos e deveres atingiram sua perfeição, ou se fixaram integralmente, e, ao mesmo tempo, em diversos pontos, se expandiram virtudes tais, como a filosofia dos antigos sequer pôde jamais imaginar. Por isto, os desígnios dos homens, a conduta da vida, os costumes tomaram outro rumo. E, quando o conhecimento do Redentor se espalhou ao longe, quando sua virtude penetrou até os veios íntimos da sociedade, dissipando as trevas e os vícios da antigüidade, então se operou aquela transformação que, na era da Civilização Cristã, mudou inteiramente a face da terra” (Leão XIII Encíclica “Tametsi futura prospiscientibus”, I-XI-1900).

A Civilização cristã — a cultura cristã

* Foi esta luminosa realidade, feita de uma ordem e uma perfeição antes sobrenatural e celeste, do que natural e terrestre, que se chamou a civilização cristã, produto da cultura cristã, a qual por sua vez é filha da Igreja Católica.

* Por cultura do espírito podemos entender o fato de que determinada alma não se encontra abandonada ao jogo desordenado e espontâneo das operações de suas potências — inteligência, vontade, sensibilidade — mas, pelo contrário, por um esforço ordenado e conforme à reta razão adquiriu nestas três potências algum enriquecimento: assim como o campo cultivado não é aquele que faz frutificar todas as sementes que o vento nele caoticamente deposita, mas o que, por efeito do trabalho reto do homem, produz algo de útil e bom.

* Neste sentido, a cultura católica é o cultivo da inteligência, da vontade e da sensibilidade segundo as normas da moral ensinada pela Igreja. Já vimos que ela se identifica com a própria perfeição da alma. Se ela existir na generalidade dos membros de uma sociedade humana (embora em graus e modos acomodados à condição social e à idade de cada qual), ela será um fato social e coletivo. E constituirá um elemento — o mais importante — da própria perfeição social.

* Civilização é o estado de uma sociedade humana que possui uma cultura, e que criou, segundo os princípios básicos desta cultura, todo um conjunto de costumes, de leis, de instituições, de sistemas literários e artísticos próprios.

Uma civilização será católica, se for a resultante fiel de uma cultura católica e se, pois, o espírito da Igreja, for o próprio princípio normativo e vital de seus costumes, leis instituições, e sistemas literários e artísticos.

* Se Jesus Cristo é o verdadeiro ideal de perfeição de todos os homens, uma sociedade que aplique todas as Suas leis tem de ser uma sociedade perfeita, a cultura e a civilização nascidas da Igreja de Cristo tem de ser forçosamente, não só a melhor civilização, mas, a única verdadeira. Di-lo o Santo Pontífice Pio X: “Não há verdadeira civilização sem civilização moral, e não há verdadeira civilização moral senão com a Religião verdadeira” (Carta ao Episcopado Francês, de 28-VIII-1910, sobre “Le Sillon”). De onde decorre com evidência cristalina que não há verdadeira civilização senão como decorrência e fruto da verdadeira Religião.

A Igreja e a Civilização Cristã

* Engana-se singularmente quem supuser que a ação da Igreja sobre os homens é meramente individual, e que ela forma pessoas, não povos, nem culturas, nem civilizações.

* Com efeito, Deus criou o homem naturalmente sociável, e quis que os homens, em sociedade, trabalhassem uns pela santificação dos outros. Por isto, também, criou-nos influenciáveis. Temos todos, pela própria pressão do instinto de sociabilidade, a tendência a comunicar em certa medida nossas idéias aos outros, e, em certa medida, em receber a influência deles. Isto se pode afirmar nas relações de indivíduo a indivíduo, e do indivíduo com a sociedade. Os ambientes, as leis, as Instituições em que vivemos exercem efeito sobre nós, têm sobre nós uma ação pedagógica.

* Resistir inteiramente a este ambiente, cuja ação ideológica nos penetra até por osmose e como que pela pele, é obra de alta e árdua virtude. E por isto os primitivos cristãos não foram mais admiráveis enfrentando as feras do Coliseu, do que mantendo íntegro seu espírito católico embora vivessem no seio de uma sociedade pagã.

Assim, a cultura e a civilização são fortíssimos meios para agir sobre as almas. Agir para a sua ruína, quando a cultura e a civilização são pagãs. Para a sua edificação e sua salvação, quando são católicas.

Como, pois, pode a Igreja desinteressar-se em produzir uma cultura e uma civilização, contentando-se em agir sobre cada alma a título meramente individual?

* Aliás, toda a alma sobre a qual a Igreja age, e que corresponde generosamente a tal ação, é como que um foco ou uma semente desta civilização, que ela expande ativa e energicamente em torno de si. A virtude transparece e contagia. Contagiando, propaga-se. Agindo e propagando-se tende a transformar-se em cultura e civilização católica.

* Como vemos, o próprio da Igreja é de produzir uma cultura e uma civilização cristã. É de produzir todos os seus frutos numa atmosfera social plenamente católica. O católico deve aspirar a uma civilização católica como o homem encarcerado num subterrâneo deseja o ar livre, e o pássaro aprisionado anseia por recuperar os espaços infinitos do Céu.

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E é esta nossa finalidade, o nosso grande ideal. Caminhamos para a civilização católica que poderá nascer dos escombros do mundo de hoje, como dos escombros do mundo romano nasceu a civilização medieval. Caminhamos para a conquista deste ideal, com a coragem, a perseverança, a resolução de enfrentar e vencer todos os obstáculos, com que os cruzados marcharam para Jerusalém. Porque, se nossos maiores souberam morrer para reconquistar o sepulcro de Cristo, como não queremos nós – filhos da Igreja como eles – lutar e morrer para restaurar algo que vale infinitamente mais do que o preciosíssimo Sepulcro do Salvador, isto é, seu reinado sobre as almas e as sociedades, que Ele criou e salvou para O amarem eternamente?

Catolicismo Nº 1 – janeiro de 1951.

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