João Cavalcanti – Portal Conservador https://portalconservador.com Maior Portal dirigido ao público Conservador em língua portuguesa. Tue, 06 Nov 2018 11:16:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=5.3.2 65453639 Lumpemproletariado, violência e desarmamento civil em prol da Revolução https://portalconservador.com/lumpemproletariado-violencia-e-desarmamento-civil-em-prol-da-revolucao/ https://portalconservador.com/lumpemproletariado-violencia-e-desarmamento-civil-em-prol-da-revolucao/#respond Fri, 11 May 2018 22:39:11 +0000 http://portalconservador.com/?p=3842 read more →]]> O intento não é o de dar uma concepção filosófica à violência, ou de explicar o porquê da existência da violência. Aqui almejo discutir como a violência é utilizada em prol da revolução, e o porquê dela ser uma alternativa a longo prazo para o crescimento do Estado. O caminho do controle de armas é uma alternativa muito mais segura do que instalar uma ditadura goela abaixo. Primeiro porque os desarmamentistas podem se esconder no discurso da paz e na suposta segurança à população que um controle de armas pode fazer, independente dos resultados fáticos. A lógica parece ser bem simples. Sem armas igual a sem crimes. Mais armas significam mais crimes – menos armas significam menos crimes, essa é a pressuposição básica de todo o discurso desarmamentista.

Os desarmamentistas seguem a constatação de que todos os “verdadeiros cidadãos” estão dispostos a entregar suas armas em prol da segurança mútua, que ficaria a cargo unicamente de uma força policial mantida pelo Estado. De fato, as campanhas em prol do desarmamento são um enorme sucesso, e milhões de cidadãos cumpridores da lei entregaram (e continuam entregando) voluntariamente suas armas ao Estado. Afinal, quem em sã consciência é contrário a paz? Apenas os loucos, talvez. Mas não há como negar que a retórica emotiva logrou um sucesso estrondoso, e os cidadãos acreditaram que estariam mais seguros se entregassem o cuidado da própria segurança nas mãos do Estado.

O grande problema reside em que nenhum dos marginais e bandidos entregou sequer uma de suas armas. Aliás, o Estatuto do Desarmamento, imposto em 2003, foi a maior das conquistas nacionais para o banditismo. Agora, e sob a proteção da lei, podem cometer crimes com armas de fogo sem ter a certeza de reação do cidadão comum. O azar, naturalmente, ocorre quando eles se deparam com policiais militares ou com policiais civis, ou ainda com cidadãos armados, cujo único crime pode ser o de possuir uma arma de fogo para sua legítima defesa. O Estatuto, por sua vez, legitimou a ousadia criminosa – e a liberdade de cometer crimes em qualquer horário e em qualquer ambiente, com a tranqüilidade de se depararam com cidadãos desarmados, mesmo quando em se tratando de invasões a domicílio. Com uma canetada, a aprovação do Estatuto do Desarmamento, bem como outras leis restritivas de armas pelo mundo afora transformou bons cidadãos, que não cometiam crimes com as armas em que eram proprietários, em “legítimos” criminosos, ao passo que proporcionou mais segurança para os verdadeiros criminosos que continuamente cometem crimes utilizando armas de fogo!

Conquistar o direito de ter a posse de uma arma de fogo – e isso significa tê-la em seus domínios privados, como em casa ou no trabalho, se trata de um verdadeiro infortúnio. Não obstante os requisitos mínimos, como a idade de 25 anos ou a ausência de antecedentes criminais (embora, a princípio, em partes legítimos), o cidadão médio se deparará com a burocracia estatal e os altos preços das armas e munições vendidas no país, que fica a cargo de um monopólio estabelecido pela Forjas Taurus, companhia de armas, aliada à cumplicidade do governo. Nunca, jamais, foi tão caro proteger a própria vida, propriedades e liberdade. O porte de arma de fogo, que compreende a utilização ostensiva de uma arma, é praticamente proibido para o cidadão comum e permitida em parte apenas para funcionários públicos. O rol é taxativo e a lei de 2003 enumera onze exceções, como integrantes das forças armadas.

O que podemos provar aqui, a princípio, é que a retórica do controle de armas, não objetiva e sequer foi produzida para proteger a população da criminalidade. Aliás, foi construída de tal modo que protege o Estado da população. De um lado têm-se os agentes estatais armados, e seus representantes políticos, ora protegidos pela polícia estatal, ora protegidos pela segurança privada, à custa do contribuinte. Do outro, uma grande população refém da criminalidade e de possíveis devaneios autoritários do Estado. Quem quer que acredite que a Era das ditaduras acabaram, está redondamente enganado – o diabo está sempre à espreita. O 4º Presidente dos EUA, James Madison Jr. (1751-1836), já dizia acertadamente que os “governos temem cidadãos com armas”.

Se os políticos modernos estão tão convencidos de que menos armas significam menos crimes, porque ainda assim fazem grande uso de seguranças armados até os dentes? Barack Hussein Obama, outrora presidente dos Estados Unidos, é o maior dos desarmamentistas na história recente da política norte-americana. Em algum momento sequer ele recusou a proteção do Serviço Secreto, ou os dispensou de proteger sua nova mansão, no número 2446 da Rua Belmont, Kalorama, no noroeste de Washington? Desarmamentistas são mentirosos. Eles não estão preocupados com a segurança dos cidadãos, mas tão apenas com a própria segurança, e que não obstante, é paga com a “contribuição” do restante dos cidadãos! Você paga ao Estado pela segurança da classe política, ao passo que ela lhe nega o direito básico à própria segurança. O presidente Donald Trump acertou em cheio quando mandou a então candidata à Casa Branca, Hillary Clinton, a desarmar seus seguranças, já que as armas são incapazes de proteger quem quer que seja.

Nos Estados Unidos, praticamente todos os últimos grandes tiroteios em escolas e lugares públicos costumam ocorrer em áreas chamadas “gun free zones”, ou em tradução livre, áreas livres de armas. Vamos imaginar que você é um atirador e desequilibrado em potencial, disposto a levar dezenas para a cova. Me parece mais do que claro que você escolheria uma área livre de armas para descarregar o pente – é algo que qualquer terrorista em sã consciência faria. Na verdade, faz. Em 12 de junho de 2016, o terrorista muçulmano Omar Saddiqui Mateen, fiel ao Estado Islâmico, matou cinqüenta e feriu mais cinqüenta e três na boate Pulse (Orlando, Flórida), voltada ao público gay. O terrorista só caiu depois de ter encontrado policiais que atenderam a ocorrência. Policiais armados, vale dizer.

O fato é que a boate Pulse se situa em uma “área livre de armas” em Orlando, devido às leis de controle de armas da Flórida. O que parece curioso a um olhar desatento é o fato do então presidente Obama cobrar ainda mais do Congresso americano controle de armas para coibir atentados dessa natureza. Não vêem como isso soa ridiculamente falso? Eram lágrimas de crocodilo. A retórica desarmamentista falha miseravelmente e a resposta encontrada por políticos democratas é justamente acentuar o mesmo discurso que produziu o retumbante fracasso. O massacre em Orlando é a maior matança a tiros dos Estados Unidos, esta é a manchete de 13 de junho no El País. Um ou mais cidadãos armados na boate Pulse – e o desfecho poderia ter sido completamente diferente.

As escolas e universidades americanas são por imposição federal áreas livres de armas, e são sempre alvos prioritários de terroristas, tanto pela tranqüilidade como pela arrasadora probabilidade de sucesso – funcionários, professores e seguranças não podem, afinal, estar armados. A justificativa democrata (como também, mesmo republicana) é a de que, proibindo as armas nas escolas, as crianças e os jovens estudantes estariam mais protegidos. Quantas vidas esta política desastrosa conseguiu destruir? Tomando como partida o massacre em Columbine, em abril de 1999, têm-se pelo menos mais de uma centena de estudantes, muitas destas crianças.

Eu gostaria de viver num mundo em que as armas não fossem necessárias. Mas a idealização não é um campo em que os conservadores são peritos. O campo que almejamos é o dos fatos, movida por uma racionalidade exemplar, atenta aos devaneios do mundo. Deixemos as utopias para os vendedores de sonhos – políticos progressistas e de esquerda. Thomas Sowell, influente economista norte-americano, acertou em cheio quando afirmou que “quando as pessoas querem o impossível, somente os mentirosos podem satisfazê-las”. O controle de armas falhou miseravelmente. Quando a criminalidade aumenta, motivada pela ideologia anti-armas, os políticos argumentam que o controle não fora efetivo o suficiente!

Quem imaginaria que um controle bem sucedido de armas ocasionaria não em um aumento generalizado da segurança e da prosperidade, mas em um verdadeiro genocídio? A história recente do século XX não parece ser suficiente para colocar por terra toda a retórica desarmamentista? Adolf Hitler objetivava a paz quando impôs a força o controle de armas para os judeus alemães? O resultado parece ser bem óbvio – e poucos são aqueles que ousam discordar do terror do holocausto. Mas foi isto que verdadeiramente ocorreu. Muitos historiadores do nacional-socialismo foram unânimes em contar os detalhes sobre a escalada e a ascensão do regime nazista ao poder. Mas eles parecem não contar sobre toda a história. E a história do holocausto se inicia com o desarmamento civil dos judeus.

A Noite dos Cristais (Kristallnacht), como ficaria conhecida posteriormente o pogrom de 10 dez de novembro de 1938, foi precedido pelo desarmamento puro e simples. Não são poucos os historiadores de esquerda que tentaram argumentar que Adolf Hitler não era um legítimo representante da causa desarmamentista, partindo da constatação de que as leis da República de Weimar quanto ao controle de armas eram bem mais rígidas e de que, portanto, Hitler deveria ser compreendido como um liberal – tão apenas porque desregulamentou a posse de rifles e espingardas, como costumam defender os liberais. Mas há um detalhe, não tão curioso assim. Tal desregulamentação é verdadeira – mas ela não era válida para ciganos ou para judeus, mas apenas para membros do establishment e do Partido Nazista. Quando a Noite finalmente acabara, noventa judeus tinham sido assassinados e quase seis mil lojas judaicas foram depredadas, incendiadas e roubadas. Do lado nazista, nenhum membro do Partido saiu ferido no episódio. Deixassem as armas nas mãos dos judeus, e a Noite provavelmente sequer teria começado. Onde quer que os nazistas fossem em suas rotineiras invasões na Europa dos anos 40 e 50, lá estavam às proibições das armas de fogo. Dois eram os caminhos tradicionais para aqueles que eram encontrados com armas: fuzilamento (de imediato), ou na melhor das hipóteses, uma estadia sem volta para um campo de concentração.

Um problema verdadeiro nasce quanto à legitimidade da existência de um registro nacional de proprietários de armas. Os nazistas fizeram um grande e maldoso uso dos arquivos – foram à caçada de todo judeu que tivesse armas para sua defesa. Confiscaram armas e patrimônio, e condenaram os judeus ao holocausto. Uma tarefa absurdamente fácil. Nome e endereço eram tudo o que os nazistas precisavam – e que foi proporcionado pela Lei de Armas de Fogo de 1928, que obrigava aos proprietários de armas constarem no registro nacional de proprietários. É preciso dizer mais do que isso? Devemos esquecer-nos desse detalhe e confiar em todo e qualquer governo? Lutar contra um registro nacional de proprietários de armas é algo que qualquer conservador prudente deve ter como bandeira, e que pode nos proteger da tirania do governo. Aliás, o único registro nacional que deve existir é aquele “negativo” – pessoas que deveriam constar como proibidas de ter armas, mas tão apenas porque são verdadeiras ameaças à sociedade civil – ou seja, criminosos condenados e pessoas desequilibradas emocionalmente.

Também há algo a se dizer sobre a tradição suíça, e como ela ajudou a proteger o povo suíço da ocupação nazista. A Suíça, um pequeno país de 41.285 km² no meio do continente europeu, foi o único remanescente a ficar livre do terror nazista. Não que ela tenha sido determinante, vale dizer, porque é preciso relembrar que os próprios nazistas conservaram grande parte de seu espólio roubado dos judeus em cofres suíços. Mas a habilidade, a quantidade de rifles e o treinamento dos suíços com o manejo de armas de fogo era um argumento tão forte que fez Hitler e seus generais de guerra repensar exaustivamente sobre os planos de invasão e como todos eles teriam um alto custo para as tropas nazistas, mesmo quando os nazistas aparentemente eram os vencedores incontestáveis na Segunda Guerra. Hitler desprezava os suíços e se havia algo a falar de positivo sobre a Suíça, era como o país caberia bem no projeto da Grande Alemanha, embora não tenha sido do ponto de vista estratégico algo que devesse ter sido feito a todo custo. A grande verdade é que não foi o exército suíço o grande responsável pela defesa da vida e da liberdade da população, mas meros cidadãos armados, treinados desde a tenra idade. Se no Brasil o esporte nacional é o futebol, na Suíça o esporte nacional é o tiro esportivo. O cenário parece desanimador para criminosos e nações estrangeiras? Certamente. Enfrentar a geografia dos Alpes já era um grande empecilho para a infantaria. Quem dirá encarar civis da ordem de 850.000 homens armados? Não obstante a paixão natural e histórica pelas armas daquele povo, que remontam ao século XIII, os nazistas sabiam que em toda residência havia armas – e que grande parte do povo era treinada para utilizá-las.

Se o Estado está verdadeiramente preocupado com a segurança da população, deve permitir o direito do cidadão comum de ter e de portar armas. As leis de armas são ineficazes porque se destinam às pessoas erradas – porque se destinam aos verdadeiros cidadãos, cumpridores da lei e que não cometem crimes. Nenhum bandido ou marginalizado jamais se submeteria a cumprir as exigências mínimas da burocracia estatal para comprar armas. Duas são as fontes naturais de origem das armas dos criminosos: a do comércio ilegal e de armas legais roubadas dos cidadãos. Preencher as exigências legais tão só para cometer crimes é uma inocência grotesca e verdadeiramente burra. O direito de ter e de portar armas deve ser compreendido como um direito inalienável, verdadeiro direito humano, concedido a todo e qualquer cidadão apto a ser proprietário. Este é o entendimento dos Pais Fundadores ao redigirem a Segunda Emenda norte-americana.

Existe um dispositivo curioso em grande parte dos Estados Unidos. Cidadãos armados, com o devido porte legal de arma, podem a vir participar de excursões policiais em prol da segurança local, quando as circunstâncias assim a exigirem. É bem comum em pequenas cidades, quando os policiais se limitam muitas às vezes em um xerife com dois ou três patrulheiros. A insuficiência numérica da polícia local pode ser rapidamente sanada com o auxílio dos próprios cidadãos, convidados pelo xerife a combater a criminalidade. É um dispositivo sem precedentes na história brasileira. A Coroa portuguesa via com grande perigo as armas nas mãos dos colonos – porque havia sempre o temor das insurreições contra o rei – o mesmo ceticismo que os governos republicanos do século XX (e de esquerda) partilham. O principal traço dos regimes autoritários latinos, de cunho socialista, é a centralização das forças de segurança nacionais. Na Venezuela, uma iniciativa dessas foi levada a cabo por Hugo Chávez e seguida pelo seu sucessor no partido, Nicolás Maduro.

A impunidade e o lumpemproletariado. Cesare Beccaria já argumentava, no clássico “Dos Delitos e Das Penas”, de que a simples existência de uma lei incriminadora não era suficiente para prevenir crimes – mas a certeza da punibilidade da conduta criminosa. Mas o que é o lumpemproletariado, na concepção criada pelo Karl Marx? São os criminosos e marginalizados, visualizados como conseqüência natural do desenvolvimento do sistema capitalista. Uma vez que eles não são os proprietários dos meios de produção e tampouco possuem acesso aos bens de consumo, só restaria a eles a criminalidade – um argumento bastante utilizado e que se mostra insuficiente para explicar o porquê de tantos adolescentes e jovens entrarem no tráfico de drogas. Se o termo foi cunhado por Marx, o certo é de que os marxistas do século XX, enraizados na Escola de Frankfurt, como Walter Benjamin, Adorno, Marcuse e Lukacs, deram uma excelente contribuição para o pensamento autoritário moderno – como podem utilizar da criminalidade para o crescimento do poder estatal. A competência para o sucesso da revolução foi transferida dos operários modernos, como pensava Marx, para os criminosos e degenerados de toda espécie, como pensam os frankfurtianos.


A violência não desponta apenas pela incapacidade do Estado de conter a violência, ela é criada ou mesmo incentivada pelos Estados autoritários, numa orgia entre legisladores e julgadores, ambos permissivos. Sistemas de progressão das penas, visitas íntimas em presídios, indultos de festas e de Natal, permissividade quanto a existência de facções criminosas, discursos de “direitos humanos”. A criminalidade é muitíssimo útil para os Estados modernos, que podem criar mecanismos e instrumentos de controle. Não é senão a pretexto da segurança pública que o Estado moderno retirou as armas do cidadão comum? O resultado foi a concentração das armas nas forças estatais e nas mãos de criminosos. Um fato curioso me veio a despertar primeiro surpresa, e depois uma crise de risos: um noticiário local veiculou com particular felicidade o excelente trabalho da polícia civil do interior da Paraíba, que apreendeu quinze armas de fogo na pequena cidade de Alcantil, armamento que “talvez” fosse utilizado para assaltos a bancos. Um idoso, de mais de oitenta anos, também foi preso. O grande problema reside justamente na qualidade do dito “armamento”. Alguém imaginaria um assalto a banco com mosquetes (sendo a última imagem meramente ilustrativa), que em verdade traria grande alegria para colecionadores? É certo que nos idos de 1650 talvez um mosquete fosse considerado tecnologia de ponta, ou ainda no limiar da guerra civil norte-americana. No século XXI, sem dúvidas alguma, uma verdadeira blasfêmia.

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O corno, a família, o conservadorismo ou “A Vida como ela É” https://portalconservador.com/o-corno-a-familia-o-conservadorismo-ou-a-vida-como-ela-e/ https://portalconservador.com/o-corno-a-familia-o-conservadorismo-ou-a-vida-como-ela-e/#comments Tue, 12 Sep 2017 23:45:53 +0000 http://portalconservador.com/?p=3644 read more →]]> O corno é certamente uma figura emblemática, algo quiçá mitológico. Nelson Rodrigues, PhD em balzaqueologia (de fato, a maior autoridade brasileira no assunto), há muito escreveu sobre o cotidiano carioca por meio de peças teatrais e crônicas, nos idos dos anos quarenta a sessenta. O teor das obras do romancista lhe rendeu a alcunha d’O Anjo pornográfico – ao menos este é o nome de uma das suas biografias, escrita por Ruy Castro. Nelson Rodrigues era um moralista ferrenho, um grand católico mal compreendido, porque, como Nietszche, era orgulhoso de suas críticas mordazes. É de se imaginar a figura de um Nelson Rodrigues pós-virada do milênio. Que me perdoe o autor, mas os tempos modernos transformaram sua genialidade em algo trivial, banal. Permanecem, certamente, sua maravilhosa forma e leituras cómicas. Nelson Rodrigues deve ser lido e esmiuçado.

As obras do pernambucano, naturalizado carioca, não são mais “pornográficas”, e hoje se aproximam mais do cômico do que do trágico (Nelson morreu no Rio de Janeiro em 1980). E isso se deve essencialmente porque o mundo mudou, e as ondas sucessivas da revolução cultural abateram-se sobre o ocidente. O que antes era belo virou arcaico, tradicional, ou mesmo “medieval”, e na modernidade, algo a ser esquecido, apagado da memória. O mundo moderno é um terror inconclusivo, uma obra cujo objetivo é o horror ou o escárnio. Não há nada de inteiramente novo no mundo moderno, talvez exceto o da roupagem, que é o do culto ao progresso: moralmente falando, é um regressão aos velhos hábitos, e que no mundo ocidental fora suplantado pelo cristianismo.

Por exemplo, na cultura asteca, aproximadamente vinte mil pessoas eram sacrificadas ano após ano para o deus Huizilopochtli. Os indígenas americanos, por sua vez, até hoje sacrificam bebês recém- nascidos com defeitos físicos aparentes. O bebê pode ser asfixiado, envenenado ou enterrado vivo. Há algo de curioso aqui? Certamente que não. Um dos métodos modernos de aborto, consistem em “triturar” o cérebro de um feto dentro do útero. E repare bem, o aborto é visualizado na modernidade como uma conquista social das mulheres, um direito inalienável tal como é o direito ao voto. Perdeu-se a sacralidade, aquele sentimento de que as mulheres partilham um pouco da mimésis de Maria Mãe de Deus: theotókos. Isso se deve muito ao feminismo, apesar do propósito burguês que constistiu em remodelar a família. (A cultura norte-americana é um exemplo excelente deste modelo familiar: um homem e uma mulher, com filhos, em cidade distante e desconectada do patriarca familiar).

É nesta discussão sobre a moral moderna que adentro a questão sobre o homem traído. Há espaço para o homem traído no conservadorismo? Esta é uma pergunta pertinente. Parafraseando Russell Kirk, a vida é a arte do possível, e não o espaço do ideário cristão. É verdade que Jesus diz, no episódio da mulher adúltera, “vai-te, e não peques mais” (João 8:11). Mas Ele atua como um senhor misericordioso, mesmo tendo previsto que a mulher retornaria a pecar – e talvez cometendo o mesmíssimo pecado do adultério – ele diz para que não “peques mais”. É mais um convite ou desejo do que uma ordem irrevogável, dada a natureza pecaminosa do gênero humano.

O homem conservador deve perdoar? Eu penso que sim. Ele deve perdoar. Mas daí em diante, como de continuar ou de manter este relacionamento, há uma distinção gritante. O conservador não é um idealista. O passado deve ser reverenciado, jamais idolatrado. Engana-se quem pensa nestes termos, de que o passado era moralmente superior, mais feliz ou mais completo. Eu também não vejo o homem conservador como um santo, ele está mais pra um humilde aprendiz. Engana-se o homem que se vê como moralmente perfeito, e mesmo que esteja próximo disso, a vida não é um quadro da Belle Époque de Toulouse-Lautrec, e engana-se mais ainda de que, pelo facto de ser um homem culto, ele poderá reproduzir o ideal romântico em uma sociedade moralmente decadente e encontrar uma mulher virtuosa e excelente por merecimento.

Os romanos, por exemplo, entendiam o casamento mais próximo de uma figura contratual do que como um sacramento, a despeito do modelo ser próximo ao “tradicional”: homem e mulher, intenção de constituir família e patrimônio. Porquê o casamento, acima de tudo, assumia um viés nitidamente econômico. Não é certamente, esta a visão do cristianismo católico, que se pôs a corrigi-la desde cedo, e que se encontra hoje, mais do que cambaleante. O homem cristão precisa designar-se também realista, ele necessita enxergar mais do que o discurso de uma fêmea, enxergar as entrelinhas. A beleza da mulher é fascínio, ao mesmo tempo que é uma maldição para os homens. Era exactamente assim que os medievais enxergavam a beleza deste ser divino, tão retratado em canções, prosas e versos. É exactamente esta a razão dos islâmicos esconderem o corpo das mulheres.

O homem conservador, e que deseja constituir família (a família também é uma vocação, isso deve ser dito), deve estar pronto para caso não consiga fazê-lo. Ele deve ter cuidado com falsos modelos de santidade. A modernidade é uma ilusão, mas o passado mítico também é um. O que deve prevalecer é a prudência – muitos sucumbiram perante a tentativa de resgatar um passado que provavelmente nem existirá mais e que não poderá ser reproduzido. E isto se deve porque estamos próximos do Fim. Naquele momento em que o Autor da peça, como diria C. S. Lewis, caminha triunfalmente para a frente do palco: Jesus Cristo, para o horror dos incrédulos.

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Para que serve a História? https://portalconservador.com/para-que-serve-a-historia/ https://portalconservador.com/para-que-serve-a-historia/#respond Tue, 20 Oct 2015 13:32:31 +0000 http://portalconservador.com/?p=4118 read more →]]> A história não é somente o adequado registro do passado. Não é, unicamente, a atividade de narrar, metodicamente, os fatos que se sucedem em uma dada sociedade nem, tampouco, a busca minuciosa nos textos daqueles fatos que se pretendem extrair. É claro que a história, como disciplina, exige esse caráter objetivo na leitura de diversos textos; contudo, o Historiador, em uma sociedade, deve desempenhar também outra função. Se não a desempenha, aliás, poderia ser facilmente confundido com um jornalista, no que concerne a narrar os acontecimentos.

Não há quaisquer dúvidas, afinal, de que o jornalista está inegavelmente ligado aos acontecimentos: o acontecimento se confunde com o jornalista, ele se vê realizado mediante esta atividade. Enquanto que no retorno ao passado, o jornalista pouco tem a informar: é nesta atividade que o historiador se vê realizado. Mas esse retorno ao passado, para muito além da objetividade, vai exigir uma análise crítica pelo qual o historiador enquadra os sistemas sociais e políticos como positivos ou negativos, obedecendo, como deve ser por nós sabido, determinados padrões. Tarefa que não pode, em qualquer momento, ser exercida por um jornalista. As metodologias e os objetivos se diferem.

Nesse sentido, por mais  que o historiador esteja atento aos fatos históricos, ele deve estar mais ainda atento às pressões do presente; tal como o jornalista o faz, apropriadamente. Não é por outra razão pelas quais os grandes jornalistas conseguem produzir uma história do presente mais competente do que a do historiador, tão absorto no passado. Portanto, cabe ao historiador, aprender, nesse sentido, com um exímio jornalista para analisar o presente.

A História, para além do seu conceito – presente nos mais variados dicionários – atua como um tribunal da realidade. É o parâmetro mais justo que já existiu ou existirá, para o estudo das sociedades do passado e para contribuir nas construções prudentes do futuro. Nesse sentido, o historiador, como verdadeiro cientista do social, deve ser sempre o último a ligar-se a utopismos de toda ordem – lembrando, com muita cautela aos seu conterrâneos, os diversos erros que selaram as sociedades do passado.

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