O corno, a família, o conservadorismo ou “A Vida como ela É”

O corno é certamente uma figura emblemática, algo quiçá mitológico. Nelson Rodrigues, PhD em balzaqueologia (de fato, a maior autoridade brasileira no assunto), há muito escreveu sobre o cotidiano carioca por meio de peças teatrais e crônicas, nos idos dos anos quarenta a sessenta. O teor das obras do romancista lhe rendeu a alcunha d’O Anjo pornográfico – ao menos este é o nome de uma das suas biografias, escrita por Ruy Castro. Nelson Rodrigues era um moralista ferrenho, um grand católico mal compreendido, porque, como Nietszche, era orgulhoso de suas críticas mordazes. É de se imaginar a figura de um Nelson Rodrigues pós-virada do milênio. Que me perdoe o autor, mas os tempos modernos transformaram sua genialidade em algo trivial, banal. Permanecem, certamente, sua maravilhosa forma e leituras cómicas. Nelson Rodrigues deve ser lido e esmiuçado.

As obras do pernambucano, naturalizado carioca, não são mais “pornográficas”, e hoje se aproximam mais do cômico do que do trágico (Nelson morreu no Rio de Janeiro em 1980). E isso se deve essencialmente porque o mundo mudou, e as ondas sucessivas da revolução cultural abateram-se sobre o ocidente. O que antes era belo virou arcaico, tradicional, ou mesmo “medieval”, e na modernidade, algo a ser esquecido, apagado da memória. O mundo moderno é um terror inconclusivo, uma obra cujo objetivo é o horror ou o escárnio. Não há nada de inteiramente novo no mundo moderno, talvez exceto o da roupagem, que é o do culto ao progresso: moralmente falando, é um regressão aos velhos hábitos, e que no mundo ocidental fora suplantado pelo cristianismo.

Por exemplo, na cultura asteca, aproximadamente vinte mil pessoas eram sacrificadas ano após ano para o deus Huizilopochtli. Os indígenas americanos, por sua vez, até hoje sacrificam bebês recém- nascidos com defeitos físicos aparentes. O bebê pode ser asfixiado, envenenado ou enterrado vivo. Há algo de curioso aqui? Certamente que não. Um dos métodos modernos de aborto, consistem em “triturar” o cérebro de um feto dentro do útero. E repare bem, o aborto é visualizado na modernidade como uma conquista social das mulheres, um direito inalienável tal como é o direito ao voto. Perdeu-se a sacralidade, aquele sentimento de que as mulheres partilham um pouco da mimésis de Maria Mãe de Deus: theotókos. Isso se deve muito ao feminismo, apesar do propósito burguês que constistiu em remodelar a família. (A cultura norte-americana é um exemplo excelente deste modelo familiar: um homem e uma mulher, com filhos, em cidade distante e desconectada do patriarca familiar).

É nesta discussão sobre a moral moderna que adentro a questão sobre o homem traído. Há espaço para o homem traído no conservadorismo? Esta é uma pergunta pertinente. Parafraseando Russell Kirk, a vida é a arte do possível, e não o espaço do ideário cristão. É verdade que Jesus diz, no episódio da mulher adúltera, “vai-te, e não peques mais” (João 8:11). Mas Ele atua como um senhor misericordioso, mesmo tendo previsto que a mulher retornaria a pecar – e talvez cometendo o mesmíssimo pecado do adultério – ele diz para que não “peques mais”. É mais um convite ou desejo do que uma ordem irrevogável, dada a natureza pecaminosa do gênero humano.

O homem conservador deve perdoar? Eu penso que sim. Ele deve perdoar. Mas daí em diante, como de continuar ou de manter este relacionamento, há uma distinção gritante. O conservador não é um idealista. O passado deve ser reverenciado, jamais idolatrado. Engana-se quem pensa nestes termos, de que o passado era moralmente superior, mais feliz ou mais completo. Eu também não vejo o homem conservador como um santo, ele está mais pra um humilde aprendiz. Engana-se o homem que se vê como moralmente perfeito, e mesmo que esteja próximo disso, a vida não é um quadro da Belle Époque de Toulouse-Lautrec, e engana-se mais ainda de que, pelo facto de ser um homem culto, ele poderá reproduzir o ideal romântico em uma sociedade moralmente decadente e encontrar uma mulher virtuosa e excelente por merecimento.

Os romanos, por exemplo, entendiam o casamento mais próximo de uma figura contratual do que como um sacramento, a despeito do modelo ser próximo ao “tradicional”: homem e mulher, intenção de constituir família e patrimônio. Porquê o casamento, acima de tudo, assumia um viés nitidamente econômico. Não é certamente, esta a visão do cristianismo católico, que se pôs a corrigi-la desde cedo, e que se encontra hoje, mais do que cambaleante. O homem cristão precisa designar-se também realista, ele necessita enxergar mais do que o discurso de uma fêmea, enxergar as entrelinhas. A beleza da mulher é fascínio, ao mesmo tempo que é uma maldição para os homens. Era exactamente assim que os medievais enxergavam a beleza deste ser divino, tão retratado em canções, prosas e versos. É exactamente esta a razão dos islâmicos esconderem o corpo das mulheres.

O homem conservador, e que deseja constituir família (a família também é uma vocação, isso deve ser dito), deve estar pronto para caso não consiga fazê-lo. Ele deve ter cuidado com falsos modelos de santidade. A modernidade é uma ilusão, mas o passado mítico também é um. O que deve prevalecer é a prudência – muitos sucumbiram perante a tentativa de resgatar um passado que provavelmente nem existirá mais e que não poderá ser reproduzido. E isto se deve porque estamos próximos do Fim. Naquele momento em que o Autor da peça, como diria C. S. Lewis, caminha triunfalmente para a frente do palco: Jesus Cristo, para o horror dos incrédulos.

The following two tabs change content below.
Advogado e historiador. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Bacharel em História pela Universidade Federal de Pernambuco. Especialista em Direito Público pela Escola Superior de Advocacia da OAB SP. Acadêmico do curso de Ciência Política pelo Centro Universitário Internacional. Colunista político, é editor-chefe do Portal Conservador. Filho de Pernambuco e conservador atuante. https://www.instagram.com/dr.joaocavalcanti/

Comentários

2 Comentários

  1. Muito bom e bem explicado!

Escreva um comentário




*