Hoje em dia, principalmente no Brasil, assumir-se conservador em termos de política é virar as costas para a vida social, visto que, o termo “conservador” quase sempre é usado como insulto e, com frequência, é associado à políticos caricatos – geralmente aqueles mesmos que a mídia se esforça para deturpar a imagem –. Tais associações devem-se ao fato de que vivemos em um mundo progressista, um mundo que não tem tempo para pensar em longo prazo, para avaliar o cenário político atual ou para buscar no passado as consequências para tal cenário. Um mundo que tem opiniões sobre tudo, porém não se preocupa em conceituar nada. Bem, na contramão desse mundo e na esperança de trazer para o campo das reflexões o conservadorismo livre dos preconceitos que sempre o acompanham convido-os a ler um pouco mais sobre.
Historicamente parece ser impossível datar o início do conservadorismo, visto que traços desta disposição se encontram em diversas obras de homens dos mais variados tempos. É possível enxergar princípios conservadores em textos de Aristóteles, de Cícero e até nos de São Tomás de Aquino. É unânime que o conservadorismo surge de maneira clara, pela primeira vez, na obra de um filósofo irlandês, Edmund Burke, em um livro chamado Reflexões Sobre a Revolução na França (1790). Burke escreve tal obra na Inglaterra, enquanto informava-se sobre os acontecimentos da Revolução Francesa. Na obra, o filósofo irlandês adverte sobre os abusos cometidos pelos revolucionários franceses, que promoveram verdadeiras carnificinas em nome da liberdade e da igualdade.
Pode-se dizer, então, que conservadores, liberais e revolucionários são frutos do mesmo tempo e dos mesmos acontecimentos, visto que existe uma continuidade histórica entre a Revolução Gloriosa na Inglaterra (1688-1669), de onde surgiram as principais ideias liberais, e a Revolução Francesa (1789-1799), onde se esquematizaram os princípios revolucionários e contrarrevolucionários.
Frutos do mesmo tempo, sim, iguais, não. Muitos são os fatores que distinguem o conservador do liberal e do revolucionário. Um dos principais fatores é que nos conservadores faltam ideais substantivos. Digo, um revolucionário diante de um problema político ou social tende a apontar sempre para a igualdade. Um liberal escolhe sempre a alternativa que permita maior liberdade ao indivíduo. Mas e o conservador? Bem, o conservador priva-se de escolher, em abstrato, um remédio universal tendo em conta que a reflexão, sobre as circunstâncias específicas, de cada situação, é o que lhe permitirá chegar à melhor solução para o problema. O que não quer dizer que o conservador ignore princípios básicos como a igualdade ou a liberdade, todavia ele entende, assim como Isaiah Berlin, que “total liberdade para os lobos significa a morte dos cordeiros”.
Outro fator importante é que, pela falta do ideal substantivo a se perseguir, o conservadorismo não se articula como ideologia política na totalidade do tempo, ou seja, não constitui uma agenda ou militância. O conservadorismo é, como explicado por Samuel Huntington, uma ideologia reativa, entretanto atente-se para não confundir com a reacionária. Reativa no sentido que se articula, apenas, quando surge uma ameaça real aos valores e às instituições que se mostram importantes para a vida individual e coletiva. O caso de Burke é um bom exemplo. Se não fossem os atentados cometidos pelos revolucionários franceses ao tentar reinventar a sociedade Burke jamais teria escrito tal crítica.
Falamos sobre “valores e instituições que se mostram importantes para a vida individual e coletiva”, mas quais seriam esses valores e essas instituições? Para responder essa questão temos que entender que o conservadorismo é pluralista e, ao mesmo tempo, retoma a ideia de “natureza humana”. Complexo? Explico usando John Kekes: O conservadorismo é pluralista ao ponto que entende que sociedades situadas em diferentes tempos e espaços tendem a valorizar diferentes tradições. Tradições essas que, por se mostrarem úteis para a manutenção de tais sociedades, sobreviveram aos testes do tempo: crenças religiosas, ideias sobre um ideal artístico. Esses valores locais e temporais são descritos por Burke como uma segunda natureza. Quanto à natureza humana – a “primeira natureza” – o entendimento é ainda mais simples. A ideia de natureza humana pressupõe que existam alguns atributos que são comuns a todos os homens. Atributos universais que incutidos pelo Criador permanecem inalterados e inalteráveis. Atributos como: a defesa da vida, a ideia de liberdade, a saúde de maneira geral, a necessidade de viver em sociedade. A ideia de natureza humana, além de funcionar como um princípio racional para o cumprimento da máxima cristã “amar ao próximo como a ti mesmo”, funciona como um “mínimo moral” que deve ser respeitado por todos, visto que quando causamos danos ao próximo estamos diretamente atingindo a nossa própria natureza, (sem falar que somos visitados pela consciência).
É por entender-se pluralista que o conservadorismo nega-se a defender um único princípio sem avaliar as circunstâncias. O recente acontecimento na “Charlie” nos leva a refletir sobre os valores “liberdade” e “respeito” e tal reflexão deixa claro como não se pode escolher, em abstrato, apenas um ou outro. Enfim, na crítica burkeana à Revolução Francesa, o irlandês relembra que ambas as naturezas foram feridas, a primeira com os atentados diretos à vida e a segunda quando “ao destruírem as instituições de seus antepassados, os revolucionários destruíram também um patrimônio de ideias, hábitos e tradições que complementavam a natureza dos homens”. É importante notar que Burke não defendeu que os franceses alteraram os princípios que são, por definição, inalteráveis, ele apenas disse que cegos por um ideal utópico os revolucionários “viciaram a natureza humana” e que suspenderam as “compungidas visitas da Natureza” – a consciência –.
E por estar familiarizado com o ideal de Natureza Humana o conservador é cético. É cético no sentido político, cético ao duvidar de toda ideologia política que prometa um paraíso na Terra, – talvez por entender que o Verdadeiro Paraíso não cabe na Terra –. Se Burke criticou a utopia francesa aos conservadores contemporâneos cabe criticar as utopias do século passado. Os conservadores entendem nas utopias dois erros lógicos. O primeiro é que as utopias, de maneira geral, tendem a ignorar a vontade individual, – o livre arbítrio –. Sobre isso, dirá João Pereira Coutinho “a nossas sociedades não são máquinas compostas por peças mecânicas regulares e previsíveis”, e acrescenta, “o problema do pensamento utópico é acreditar que as pessoas são uniformes”. O mínimo de conhecimento sobre a humanidade é o suficiente para entender que homens diferentes buscam por coisas diferentes. Sendo assim, qualquer ideologia que tenha como princípio submeter à totalidade dos homens a um único ideal está condenada ao fracasso. O segundo erro lógico está na afirmação evidente de que somos imperfeitos intelectualmente, nós homens somos incapazes de planejar para o futuro uma espécie de caminho que leve à perfeição política. Como já mencionado, é impossível fazer cálculos sobre as próximas atitudes dos homens, e mais, as utopias passadas deram infinitas demonstrações que, justamente quando os planos políticos fracassam as portas para barbáries institucionalizadas se abrem.
Bem, para concluir é importante dizer que o conservadorismo, ao contrário do que se pensa, não defende uma completa estagnação dos valores e instituições, mas, pelo contrário, defende uma espécie de reforma prudente. O próprio Burke escreve que “um Estado sem meios para mudar, não tem como se conservar”. Na visão conservadora – pluralista e cética – as tradições passadas funcionam como alicerce para novas concepções e abordagens. Diante de uma ameaça o conservador não pensa em refazer totalmente a sociedade – revolucionário – ou fica lamentando em vista de um passado perfeito e imaginário – reacionário –. Sabe aquela famosa frase que diz: “Até agora os filósofos se preocuparam em interpretar o mundo de várias formas. O que importa é transformá-lo”? Na perspectiva conservadora só a reflexão sobre as diferentes formas de interpretar o mundo é o que permitirá reformá-lo de forma prudente. Afinal, como escreveu Burke “Um povo que não cultiva a memória de seus ancestrais não cuidará de seus descendentes.”
Escrito por Rhuan Reis.