Obrigado, Ateus.

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Este tópico contém resposta, possui 1 voz e foi atualizado pela última vez por Foto de perfil de MauricioSaraiva MauricioSaraiva 11 mes, 2 semanas atrás.

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    MauricioSaraiva
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    Cresci num lar espírita (religião a qual minhas três irmãs permanecem) mas aos 13 anos me tornei católico e, pouco depois, já era um ativo membro de grupos jovens. Anos depois, na Faculdade de História, tornei-me socialista e, pouco depois, ateu. Não um ateu desinteressado, mas um daqueles estudiosos e polemistas, cheio de livros de filosofia na estante e argumentos definitivos contra os “crentes”. Sartre, Nietzsche, Bakunin, Freud… toda a artilharia laica me valia.

    Isso durou até por volta dos 24 ou 25 anos. Casei-me aos 24 anos, já na Igreja. O que me vez voltar a crer? O próprio Evangelho (que me comovera aos 13 anos), já não exercia muita influência sobre mim, historiador calejado. As obras dos santos tão pouco. Talvez o primeiro a bulir com minhas certezas materialistas foi Platão. A História de Filosofia Antiga, de Giovanni Reale, ensinou-me que nem todos os sábios atuas eram ateus, como me fizeram crer os professores universitários. Mas, fundamentalmente, foram os próprios ateus que me convenceram.

    Como estudante e depois professor de história – e militante socialista – eu vivia num ambiente social que se auto-nomeia “laico educado”, ou “laico ilustrado”. Pessoas de bom senso, civilizadas, cidadãs das Letras e do Direito, tanto liberais-democratas quanto socialistas.

    Ora, como um jovem membro dessa esclarecida sociedade, eu aprendera a considerar “Deus” um conceito vulgar, “a personificação da força coletiva de um dado grupo social”. Isso implicava que alma e vida eterna também eram superstições. Todos os fatos deveriam ser considerados de forma objetiva, em termos de causas e consequências concretas, factíveis. Não é elegante? Mas então a amizade também era uma abstração (quase uma farsa), pois ninguém ilustrado acredita que exista algo além dos interesses objetivos das pessoas envolvidas numa relação de amizade, o que implica em dizer que não existe amizade, apenas interesses recíprocos.

    Segundo o mesmo raciocínio, não existe Justiça. A indignação eventualmente provocada pela Operação Lava Jato é apenas teatro para impressionar os camponeses. Trata-se apenas dos interesses pessoais do juiz Sérgio Moro, interagindo com interesses dos desembargadores, de agentes policiais, de jornalistas, de políticos e oposição, em sentido contrário aos interesses pessoais do diversos envolvidos, direta ou indiretamente. E assim, tudo mais. Bolsa Família, educação pública, Previdência, tudo são arranjos de interesses, ninguém – entre os esclarecidos – acredita em nada mais que interesses objetivos.

    Também na vida privada é o que ocorre. Se eu tenho um pai abandonado num precário asilo público e vou fazer compras em Nova York ou tirar férias em Punta Arenas, enquanto meu irmão cuida do nosso pai, no fim das nossas vidas a única diferença será qual dos dois soube aproveitar melhor os dias que teve na Terra, no belo esquema “causas e consequências objetiva”, tudo o mais sendo superstição. Filhos, esposa, irmãos, tudo não passa de compromissos artificiais, interesses mútuos, comportamentos biologicamente condicionados por milênios de evolução darwinista. Nada que um homem laico ilustrado não saiba se desvencilhar. Afinal, não existe nenhum anjinho de asinhas nas costas sentado numa nuvem, com pena e pergaminho nas mãos, anotando o que fazemos aqui em baixo.

    E, apesar de tudo, refletia eu, os ateus não são assim. Ainda se revoltam com notícias de corrupção. Ainda esperam que inocentes sejam inocentados e criminosos, punidos. Ainda se importam com seus pais e seus filhos. Meus professores ateus procuravam nos esclarecer da melhor forma que entendiam ser seu dever e torciam pelo nosso sucesso. Eu mesmo, como professor de uma rede pública, me importava com meus alunos, sem que disso dependesse mais meus interesses objetivos. Assim, passei a notar que o ateísmo era como um belo terno de grife, algo que a pessoa veste e fica se olhando no espelho: “olha como eu sou elegante, como ou sou sensato, como tenho ideias modernas”. Com esse terno elas desfilam na República das Letras, mas ninguém dorme de terno, não fazem amor de terno, não brincam com os filhos de terno. Não serve para a vida real, só para o grande palco da vida esclarecida.

    Platão triunfava. Amizade, Justiça, Amor, não são superstições. Não são acordos circunstanciais de interesse mútuo. Trata-se de entes tão ou mais reais que uma cadeira. Robôs podem ser perfeitamente objetivos, humanos, não. Os ateus mais convictos foram, precisamente, os que melhor me demostraram essa verdade. Obrigado.

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