Resumo
A Suma Teológica é possivelmente a obra mais famosa e estudada do filósofo Santo Tomás de Aquino. Entretanto, na questão dois do primeiro livro (no início da Prima Parspara ser mais exato) temos como título para o capítulo a seguinte pergunta: Deus existe? Para não somente responder o capítulo como tentar responder a pergunta que o filósofo nos apresenta “cinco vias” para provar a existência de Deus. Portanto, este trabalho dará foco a apresentação e explanação dessas cinco vias argumentativas.
São Tomás de Aquino (1225-1274), Doutor da Igreja
Antes mesmo de apresentar e explanar os argumentos do Santo Tomás de Aquino para provar a existência de Deus, será feito uma rápida menção a sua história de vida e a obra na qual está presente tais argumentos. Filho do conde Landolfo de Aquino e de Teodora, Tomás nasceu no castelo de Aquino, em Roccasecca, entre o ano de 1224/1225. De 1230 à 1239 é educado na abadia de Monte Cassino. De 1239 à 1244 ele estuda Artes Liberais na Universidade de Nápoles. Em 1244, Tomás entra para à ordem mendicante dos frades dominicanos de Nápoles (mesmo a família sendo contra essa entrada). Vai para Paris para fazer seu noviciado na Universidade de Paris, tendo como mestre Alberto Magno e recebendo sua ordenação sacerdotal entre 1250/1251. Inicia a escrita da Suma Teológicaem 1268, terminando-a em 1273[2].
A Suma teológica é a sua obra mais conhecida e utilizada. O título de cada capítulo é um questionamento, sendo desenvolvido nele mesmo a resposta para esse. Toda a sua obra segue uma minuciosa estrutura argumentativa devido a influência de Aristóteles no pensamento do filósofo – e isso será facilmente percebido quando explanarmos as cinco vias argumentativas de Tomás. A Suma se dividirá em três grandes partes – pois é assim que a obra é habitualmente apresentada: Prima Pars, Secunda Pars – a segunda parte se apresenta dividida em mais duas partes e por isso a Suma contém habitualmente quatro volumes – e Tertia Pars. Os argumentos de Tomás de Aquino a favor da existência de Deus está na Prima Pars, pois nela é que se trata de Deus. Querendo em primeiro lugar tratar Deus segundo o que Ele é em si mesmo, conseguimos observar na Prima Pars duas subdivisões: o que se relaciona à essência divina e o que pertence à distinção entre pessoas. Entretanto, devido Deus ser o princípio e fim de todas as coisas, fala-se igualmente da forma pela qual as criaturas procedem de Deus. É nesse ponto que entra as cinco vias.
Segundo o pensamento Tomista abordado na Suma Teológica, o problema central da filosofia é a de responder os questionamentos sobre Deus – se Ele existe ou não por exemplo – enquanto que o principal intuito da Doutrina Sagrada é o de transmitir o conhecimento de Deus. Segundo Tomás, a própria estrutura do ser humano exige que o conhecimento comece pelos seus sentidos, elevando-se a partir deles ao mundo suprassensível, a Deus. A Suma Teológica retoma a metafísica aristotélica através de uma interpretação cristã afim de poder fundamentar as provas para a existência de Deus.
Por fim, a questão número dois do primeiro livro da Suma trata do seguinte problema filosófico: Deus existe? Para Tomás de Aquino, sim, mas a existência dEle não é assim algo evidente a ponto de somente haver feito a apreensão de seu termo ou definição para efetivamente saber que existe – e aqui está a crítica de Tomás ao argumento ontológico. Tomás expõe inicialmente na questão de número dois argumentos contra a existência de Deus – o primeiro argumento apresentado, por exemplo, é sobre o problema do mal -, mostrando neles sua falta de cogência.
Entretanto não são somente apresentados argumentos a favor da inexistência de Deus: para Tomás de Aquino é possível provar a existência de Deus através de “cinco vias”, cinco argumentos. Todas as cinco vias necessitam de uma causa transcendente, pois sem tal ela não poderia existir. São essas vias, no final, formas de chegar a um único lugar – pois o efeito existe, portanto, deve existir uma causa. Uma única prova – que no caso é Deus – fundamentada por cinco caminhos diferentes.
As cinco vias são as seguintes:
A primeira via fala de um fato do mundo: o movimento. Conseguimos facilmente perceber o movimento das coisas através de nosso sentidos. Proposicionalmente falando[3], a primeira via pode ser assim apresentada:
(1) No mundo, algumas coisas são movidas.
(2) Tudo o que é movido é movido por outro.
(3) Não se pode preceder até ao infinito nos moventes e movidos.
(4) Logo, é necessário um primeiro motor, que é Deus.
Primeiro, consideremos aqui movimento toda e qualquer transformação, mutação ou mudança. Conseguimos perceber no mundo o movimento de algumas coisas (1), sendo esta premissa facilmente constatável pela nossa sensibilidade. Com relação a premissa seguinte será necessário apresentar duas palavras: potência e ato. Para Tomás de Aquino a palavra potência significa aquilo que é movido ou aquilo que recebe o movimento. Ato significa aquilo que move ou que inicia o movimento. O que está sendo movido está sempre em potência para o movente, enquanto que o movente está sempre em ato para o movido (2) – ou seja: o ato antecede a potência assim como o movente antecede o movido. Devido a essa relação ato-potência, não é possível fazer uma regressão ao infinito entre moventes e movidos (3) porque nunca acharemos o primeiro movente (e como a relação ato-potência se dá através de ações em cadeia, nada seria movido). Logo, devido constatarmos através de nossa sensibilidade a relação ato-potência no mundo, é preciso admitirmos um primeiro motor, que é Deus.
Na segunda via é defendida a existência de uma causa primeira para conseguir explicar a cadeia de causas que acontecem no mundo. Proposicionalmente falando, a segunda via pode ser assim apresentada:
(1) No mundo todas as coisas tem uma causa eficiente.
(2) Nada pode ser a causa eficiente de si mesmo.
(3) Não é possível que se proceda até o infinito nas causas eficientes.
(4) Logo, existe uma causa primeira eficiente, que é Deus.
Causa eficiente tem por definição algo produzir outro algo – e no mundo conseguimos observar uma ordem de causas eficientes e seus efeitos como bem aponta a premissa (1). E se o último algo produzir um terceiro algo e assim o ciclo continuar sucessivamente, assim teremos uma ordem de causas eficientes. Se, por exemplo, X produz Y, X é a causa eficiente de Y. Y não pode ser a causa eficiente de si mesmo, mas apenas efeito de uma causa eficiente (2) – que no caso é X. Portanto, como observamos os efeitos, fazer um regresso ao infinito para chegar a causa eficiente primeira torna-se impossível, pois assim como na primeira via, caso não assumíssemos uma causa eficiente primeira, não haveria qualquer efeito posterior (3). Por fim, se existem efeitos no mundo, é preciso que exista uma causa eficiente primeira, sendo ela Deus (4).
Na terceira via é defendida a existência de um ser necessário na qual dependem todos os seres contingentes. Proposicionalmente falando, a terceira via pode ser assim apresentada:
(1) No mundo, há coisas contingentes que existem mas poderiam não existir.
(2) Mas é preciso que algo seja necessário entre as coisas.
(3) Não é possível que se proceda ao infinito nas coisas necessárias.
(4) Logo, existe um primeiro necessário, que é Deus.
No mundo podemos constatar as coisas contingentes, pois elas poderiam ser ou não ser/existir ou não existir. Computadores por exemplo não existiam no passado, mas agora existem. O ser humano pode facilmente estar dentro da categoria dos contingentes: uma hora existimos e numa outra hora não mais (1). Se toda sorte de coisa é contingente, então em algum momento essas deixarão de existir. Devido ao absurdo dessa consideração, é preciso de alguma coisa que seja necessária para dar origem aos contingentes (2). Entretanto, regredir ao infinito nas coisas necessárias é impossível, pois será preciso um necessário por si que seja a causa de outros necessários (3). Essa primeira coisa necessária causadora de outras coisas é Deus (4).
A quarta via fala sobre a existência de um ser máximo na qual todos os seres presentes no mundo participam no mesmo com Ele em diferentes graus de perfeição. Proposicionalmente falando, a quarta via pode ser assim apresentada:
(1) No mundo, as coisas têm diferentes graus de perfeição.
(2) Os graus de perfeição atribuem-se em relação à proximidade do grau máximo.
(3) O grau máximo de um gênero é a causa de todas as coisas desse gênero.
(4) Logo, há algo que é a causa da existência para todas as coisas, que é Deus.
É facilmente observável que, no mundo, as coisas que chegam a nosso entendimento através de nossos sentidos contém determinado grau de perfeição – seja esse grau para mais ou para menos e segundo também nosso julgamento diante de tais coisas (1). Estando esses graus presentes desde os objetos mais comuns até os sentimentos mais obscuros ou nobres, julgamos sobre tais grais de tais coisas tendo como referência alguma coisa de grau máximo (2). Mas esses graus máximos que temos como referência para determinada coisa é o que da existência de todos do seu gênero (3). Ainda mais: se para cada coisa existente existe um grau máximo, portanto, deve existir um Ser que contém todos os atributos e coisas possíveis em seus graus de perfeição no máximo – e que seria geradora de todas as coisas em grau de perfeição menos (4). Esse Ser é Deus.
Não somente Deus pode ter algo em seu grau de perfeição máximo como todo e qualquer ser pode assim ter esse grau máximo, bastando participar da Suma Perfeição. Ou seja: uma coisa ou ser somente consegue chegar a seu grau máximo de perfeição caso participe da perfeição do Ser mais perfeito – pois Deus é fonte de toda coisa ou ser, transcendendo a ordem natural do mundo devido a sua perfeição.
Na quinta e última via Tomás de Aquino argumenta sobre a existência de arquiteto inteligente que governa, coordena ou dá uma finalidade a todas as coisas no mundo. Proposicionalmente falando, a quinta via pode ser assim apresentada:
(1) No mundo, algumas coisas operam por causa de um fim.
(2) Estas coisas não atingem o fim por acaso.
(3) Estas coisas não tendem para um fim a não ser que estejam sendo dirigidas por algo inteligente.
(4) Logo, existe algo inteligente, que é Deus, que dirige as coisas a um fim.
Tomás aqui faz referência a finalidade das coisas do mundo. Existem certas coisas que não tem inteligência e que, regidas pelas leis da natureza, são ordenadas e contém a finalidade certa (1). Assim como a flecha, em sua finalidade única, é direcionada para seu alvo pelo arqueiro, as coisas não recebem uma finalidade arbitrária (2). Devido ao tamanho e a diversidade de coisas presentes no mundo, não é possível observar a harmonia e ordem do mundo e a finalidade específica presente em cada coisa carente de inteligência – ou até mesmo não a contendo – sem pensar na possibilidade de haver uma inteligência por trás de tudo (3). Como existem essas coisas ou seres de pouca ou nenhuma inteligência realizando seus atos com finalidade específica e de forma harmoniosa com o outro que preenche o mundo, deve haver sim um ser inteligente que governa, coordena e atribui as devidas finalidades a esses. Por fim, o Ser inteligente é Deus (4).
Ressalto aqui que, reunindo as informações presentes nas cinco vias, podemos montar um singelo quadro onde comparamos Deus e suas Criaturas – pois como ele é o início e fim de todas as coisas, também devemos perceber como as criaturas voltam-se para Ele:
Deus | Criaturas |
Ser necessário | Ser contingente |
Ato puro | Ato e potência (transformação) |
Imutável | Mutável |
Infinito | Finito |
Causa de sua própria existência | Sua existência depende de algo externo |
Sua Essência é Existência | Ser que possui existência (concreto) e possui uma essência (abstrato) |
Com essa leitura explanada dos cinco argumentos propostos por Tomás de Aquino para provar a existência de Deus – e assim cumprindo com o problema central da filosofia que segundo o filósofo deve se assegurar de resolver os questionamentos sobre Ele -, fica nítida a influência que Aristóteles exerceu através de seus escritos nesse filósofo medieval – principalmente na parte metafísica e lógica. Contribuindo com a tradição medieval de conciliar a fé com a razão, Tomás de Aquino abre mais uma porta para aqueles que desejam chegar a Deus (pois a primeira teve origem em Santo Agostinho através da ontologia, valendo observar a influência que Platão teve nele). É observável também a influência do uso da empiria, pois, diferente do acesso a Deus por via da gnosiologia inata, temos Tomás de Aquino fazendo uso da empiria de Aristóteles. Ou seja: é no mundo que vemos as provas da existência de Deus, pois todas as vias partem de uma realidade verificável e concreta, tendo Tomás suas racionais demonstrações a posteriori. Perceba que Tomás de Aquino não pretendeu dizer o que era Deus, mas apenas provar sua existência.
1. Licenciando do curso de filosofia na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
2. CAMPOS, Sávio Laet de Barros. As Provas da Existência de Deus em Tomás de Aquino. P. 10. Disponível em:http://filosofante.org/filosofante/not_arquivos/pdf/Provas_Existencia_Deus_Tomas_de_Aquino.pdf. Acesso em: 15 de Fevereiro de 2014.
3. Farei a partir de agora a apresentação de todas as cinco vias através da lógica proposicional, pois além da facilidade em observar o argumento de forma completa e enxuta, fica mais fácil referenciar determinada parte dele apenas fazendo menção ao número associado a determinada premissa/conclusão durante o texto.