A revolução Islâmica, por Nawal El Saadawi

Cairo, Egito – Nawal El Saadawi (foto). 11 de fevereiro de 1979. Quarenta anos de revolução islâmica. Esta é uma data para reflexão. Para compreender a revolução islâmica no Irã é preciso conhecer a história do colonialismo e do imperialismo britânico, em toda aquela região, especialmente no Egito.

A revolução islâmica surgiu como parte do antigo plano colonial baseado na ideia de dividir para governar. O elemento central deste plano tem sido e ainda é a religião. Ela é uma arma muito eficiente para dividir e governar as pessoas. No antigo Egito, religião e política eram inseparáveis. Os reis eram como deuses, mas que não poderiam dominar, explorar e escravizar os povos, homens e mulheres, sem dividi-los e vendar suas mentes por meio religião.
E esses governantes sabiam que a união das pessoas comuns é poder, que as permite lutar e se rebelar contra a escravidão, contra as opressões de classe, religiosa, de gênero, contra a opressão nacional, estrangeira e do colonialismo.

O exército britânico invadiu o Egito em 1882 com colaboração dos poderes locais. Nenhum poder externo poderia ter invadido um país no Oeste ou no leste, no norte ou no sul, sem a colaboração interna. E nisso há outra coisa em comum: os poderes internos e externos usam da mentira para cegar as pessoas e esconder seus verdadeiros objetivos.

A religião e a educação são meios muito poderosos e que têm sido usadas estrategicamente por vários regimes em todo o mundo para enganar as pessoas.

Quem acha que a revolução começou há apenas 40 anos está equivocado. No início da década de 1920, sob domínio colonial britânico no Egito, a religião e a filosofia do Islã foram utilizadas para criar divisões entre homens e mulheres, para vendar seus olhos diante dos planos coloniais, para que aceitassem a opressão econômica e política, aceitar a pobreza como destino, fazer com que as mulheres aceitassem a dominação sexual, de gênero e patriarcal. Este é o grupo chamado de Irmandade Muçulmana foi financiado pela embaixada britânica no Cairo, cem anos atrás.
Desde então, a Irmandade Muçulmana desempenhou um papel central na divisão do Egito, na criação de conflitos religiosos entre muçulmanos e não-muçulmanos e em mulheres. Hoje atua em mais de 70 países e tem por objetivo de estabelecer a xaria como base para os governos.

O fundamentalismo islâmico não é um fenômeno novo. Eles sempre representaram uma parte estratégica das potências coloniais e dos governos nacionais. Seu objetivo sempre foi a exploração, dominação e divisão entre mulheres e homens.

E isso vem acontecendo em todas as religiões, em todo o mundo, incluindo o cristianismo e o judaísmo.

Estive no Irã antes e depois da revolução islâmica, e meus amigos no Irã confirmaram que o aiatolá Khomeini foi enviado de Paris a Teerã com a ajuda de antigas e novas potências coloniais. Até que esses poderes começaram a perder a confiança no xá, que estava fazendo o jogo político entre os americanos e os soviéticos; Khomeini estava aceitando armas e apoio financeiro de ambos os lados.

Para estas potências, não havia nada melhor do que iniciar uma revolução, dividir o país, criar conflitos e tomar o petróleo do Irã. O Petróleo está no centro de tudo. Se o Irã não tivesse petróleo, provavelmente não teria ocorrido a revolução islâmica.

E a história se repete. Em janeiro de 2011, a Revolução Egípcia foi capaz de derrubar o regime de Mubarak, que estava colaborando com os poderes do capitalismo neocolonialista nos EUA, na Grã-Bretanha e de Israel. Milhões de egípcios rumaram para a Praça Tahrir, homens, mulheres, crianças muçulmanas, cristãos de várias classes sociais e econômicas, todos unidos. Foi uma revolução secular histórica, surpreendente, que inspirou outras nações a seguir seus passos, e assustou as potências imperialistas neocoloniais estabelecidas naquelas terras.

Mas a falta de articulação popular deixou o país frágil. Após a queda de Mubarak em 11 de fevereiro de 2011, a Praça Tahrir foi invadida pela Irmandade Muçulmana. E eles, mais uma vez dividiram o povo, separaram cristãos de muçulmanos, separaram mulheres de homens, mudaram os slogans e pautas da revolução de política, econômica e metas seculares para objetivos religiosos islâmicos. Assim como a revolução iraniana em 1979, que começou como um movimento secular com o objetivo de libertar economicamente e politicamente o Irã, mas que foi alterado pelo aiatolá Khomeini, com apoio dos poderes econômicos externos, a Revolução Egípcia de 2011 também teve seus objetivos alterados pela Irmandade Muçulmana apoiada tanto por antigos quanto por novos colonizadores. E para os direitos das mulheres isso significa muito retrocesso. Algo que relatei no meu livro “A Mulher com os Olhos de Fogo” (A woman at point zero) – que sai no próximo mês no Brasil pela Faro Editorial.

Vivemos em um mundo dominado por um sistema religioso, patriarcal e racista. Mas o nível de opressão varia de acordo com o tempo e de um lugar ao outro, segundo o grau de consciência da maioria e os poderes políticos das mulheres e homens lutando por liberdade, justiça e dignidade.

Minha luta nesse contexto é por resgatar o feminismo Histórico. O feminismo ocidental separou a opressão de classe da opressão da mulher. Isto porque as mulheres de classe média americanas e europeias não sofriam como nós da mesma opressão econômica. Já as mulheres revolucionárias da África e Oriente médio conectaram classe, raça e patriarcado para escolher causas mais importantes para lutar, como a opressão das vestimentas e a mutilação genital feminina que, apesar de proibida em muitos países, continua a ser praticada em larga escala.

A autora

Nawal El Saadawi, 87, é uma escritora, ativista, médica e psiquiatra feminista egípcia. Saadawi foi presa pelo presidente Anwar al-Sadat em 1981 por supostos “crimes contra o Estado”. Ela escreveu muitos livros sobre as mulheres no Islã, e se dedica, em especial, à luta contra a prática da mutilação genital feminina no Oriente Médio. Nawal é tratada como “a Simone de Beauvoir do mundo árabe”. Seus livros já foram traduzidos para mais de 28 idiomas e são adotados em universidades do mundo inteiro. Seus discursos atualmente se concentram na crítica a tentativa de normalizar o que ela considera a opressão aos costumes das mulheres na África e Oriente Médio. Depois de 4 décadas da revolução islâmica, muitos já consideram normais as restrições aplicadas às mulheres, incluindo muitas mulheres.

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Assessoria de Imprensa
Andrea Jocys
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