Este é o primeiro de uma série de artigos cujo escopo é claro: mostrar a fraude na argumentação pró-aborto. O projeto da plena legalização do aborto e até mesmo do infanticídio é um objetivo há muito tempo almejado por esquerdistas, feministas e também pela burocracia globalista, os quais para tanto utilizam de toda a fraude possível que lhes esteja ao alcance. Algumas dessas fraudes são sutis, mas a maioria delas é formada por falsificações absolutamente grosseiras dos números, da História, dos fatos, enfim. Qualquer estudo minimamente sério chegará a tais conclusões. É este tipo de estudo que me proponho a realizar.
A idéia inicial era escrever um artigo único sobre o assunto, mas isto se revelou absolutamente impossível. A militância abortista criou uma plêiade de mitos dos mais diversos para justificar o injustificável, o que demanda uma refutação com um mínimo de detalhismo. Acresça a isso ainda a frase de Olavo de Carvalho: “uma lei constitutiva da mente humana concede ao erro o privilégio de poder ser mais breve do que a sua retificação” (A Nova Era e a Revolução Cultural: Fritjof Capra & Antonio Gramsci, Rio, IAL & Stella Caymmi, 1994). Eis a razão da amplitude deste artigo e sua divisão.
Quando na década de 1960 as organizações pró-aborto nos EUA elaboraram sua estratégia para legalizar este crime, o primeiro mito que criaram foi sobre os supostos milhões de abortos e as supostas milhares de mortes de mulheres por eles causadas. Como sabemos que isto foi uma mentira estratégica deliberada? Dentre outros motivos, porque ela, tempos depois, foi revelada por um de seus autores: o médico Bernard Nathanson. [1]
O Dr. Nathanson foi um ginecologista e obstetra ligado à Planned Parenthood: a principal instituição promotora do aborto nos EUA – nascida inicialmente como uma instituição de planejamento familiar com finalidades eugênicas. Cabe aqui colocar este ponto antes de voltar ao assunto do tópico. O movimento feminista nos EUA na primeira metade do século passado tinha forte caráter eugenista. Influenciadas pelas teorias de inferioridade de raças e necessidade de eliminação de deficientes, as feministas defendiam que pessoas com alguma disfunção física ou mental deveriam ser impedidas de reproduzir.
Na segunda metade do século XX, o aborto tornou-se a estratégia para alcançar tais objetivos e não é à toa que os fetos abortados entre mulheres negras ou com alguma deficiência ocorrem em proporção muito maior do que quaisquer outras categorias no Ocidente (Levitt [2] e Goldhagen [3]).
Dr. Nathanson nos anos 1970 presenciou os avanços da fetologia e da cirurgia intra-uterina até se dar conta do óbvio: se o feto era um paciente, evidentemente ele tinha os mesmos direitos de qualquer paciente, dentre eles o principal: viver. Isto foi o início de uma profunda conversão moral que levou o Dr. Nathanson às fileiras do movimento pró-vida (e uma posterior conversão religiosa). Vejamos suas próprias palavras:
Serviram-nos de base duas grandes mentiras: a falsificação de estatísticas e pesquisas que dizíamos haver feito… Quando mais tarde os pró-abortistas usavam os mesmos “slogans” e argumentos que eu havia preparado em 1968, ria muito porque eu havia sido um de seus inventores e sabia muito bem que eram mentiras. É uma tática importante. Dizíamos, em 1968, que na América se praticavam um milhão de abortos clandestinos, quando sabíamos que estes não ultrapassavam os cem mil, mas esse número não nos servia, e multiplicamos por dez para chamar a atenção. Também repetíamos constantemente que as mortes maternas por aborto clandestino se aproximavam de dez mil, quando sabíamos que eram apenas duzentas, mas esse número era muito pequeno para a propaganda. Esta tática do engano e da grande mentira que se repete constantemente acaba sendo aceita como verdade. Nós nos lançamos para a conquista dos meios de comunicação social, dos grupos universitários, sobretudo das feministas. Eles escutavam tudo o que dizíamos, inclusive as mentiras, e logo divulgavam pelos meios de comunicação social, base da propaganda [4].
No Brasil utiliza-se o mesmo expediente fraudulento. No início de 2012 houve a bombástica notícia de que peritas da ONU haviam denunciado que a legislação brasileira, ao criminalizar o aborto, era responsável pela morte de 200.000 mulheres por ano em todo o país. Impressionou o tom de arrogância da perita Patricia Schulz [5]:
A entidade realizou seu exame sobre a situação das mulheres no Brasil e não poupou críticas ao governo. “O que é que vocês vão fazer com esse problema político enorme que tem?”, cobrou durante a plenária a perita suíça Patricia Schulz. Ela foi ainda mais enfática. Schulz lembrou que em 2007 a ONU já havia cobrado do Brasil que a criminalização do aborto fosse revisada pelo governo. “Mas lamentavelmente não vimos progressos e os esforços fracassaram”, declarou. “Essa é uma questão muito preocupante. São 200 mil mortes por ano e essa alta taxa tem uma relação direta com a criminalização do aborto”, disse.
Ok. Vejamos como se descontrói esta história da carochinha:
A declaração da ONU data do início de 2012, portanto ela somente poderia se referir a dados de 2010, já que os dados de 2011 ainda não estavam sequer coletados por completo. Em 2010 morreram 476.792 mulheres no Brasil, das causas mais diversas. Vejamos a coluna de óbitos ampliada:
FONTE: IBGE [6]
Óbitos ocorridos no ano |
Período |
Mulheres |
2003 |
411.555 |
2004 |
421.059 |
2005 |
416.482 |
2006 |
430.373 |
2007 |
437.913 |
2008 |
447.981 |
2009 |
461.018 |
2010 |
476.792 |
2011 |
492.887 |
Já os óbitos de mulheres em idade fértil [7] foram 66.497 em 2010. Vejamos:
FONTE: DATASUS [8]
Coluna ampliada
Região |
Óbitos mulheres idade fértil |
TOTAL |
66.497 |
Região Norte |
5.046 |
Região Nordeste |
17.703 |
Região Sudeste |
29.142 |
Região Sul |
9.572 |
Região Centro-Oeste |
5.034 |
Ora, partindo do princípio elementar de que é impossível uma mulher em idade não-fértil falecer por causa de um aborto (já que este presume gravidez), temos então que a estatística da ilustre (in)perita nada mais é que uma fraude grosseira. Para o número ser correto, teríamos que presumir que todas as mortes de mulheres em idade fértil no país decorrem do aborto (excluindo-se acidentes de carro, homicídios, doenças, afogamento, suicídio, etc.) e ainda assim seria necessário encontrar mais de 130.000 cadáveres para fechar a conta.
Este tipo de fraude estatística [9] não é exceção [10]. Ela faz parte do modus operandi da militância abortista desde a década de 1960. Um outro expediente é misturar deliberadamente a estatística de abortos espontâneos com abortos provocados. Estima-se que até 25% das gestações não não cheguem até o fim [11]. O Brasil tem perto de três milhões de nascimentos com vida por ano [12], conforme a tabela abaixo:
Abrangência: Brasil | Unidade: pessoas
Nascidos vivos ocorridos no ano |
Período |
Total |
2003 |
2.822.462 |
2004 |
2.818.918 |
2005 |
2.880.877 |
2006 |
2.803.938 |
2007 |
2.755.371 |
2008 |
2.798.042 |
2009 |
2.764.642 |
2010 |
2.760.961 |
2011 |
2.824.776 |
Isto permite inferir (pois não há prova empírica exata) que talvez até um milhão de gestantes sofram aborto espontâneo anualmente. Pois bem, é daí que surge outro número mágico: o de um milhão de abortos realizados. Realizados uma ova! São (presumivelmente) um milhão de abortos naturais [13] [14]. Trata-se, portanto, de abortos que nada têm a ver com procedimentos voluntários.
Quando confrontada por estes dados, a militância abortista apela para o expediente derradeiro: a legislação anti-aborto geraria ocultação ou sub-notificação das ocorrências. Deixando de lado o absurdo de que as supostas 200.000 mortes Electronic Cigarettes por aborto implicariam no desaparecimento de mais de 130.000 cadáveres (onde estão enterrados? Cadê a Comissão da Verdade para averiguar isto?), pergunta-se: se os dados sobre abortos e mortes em procedimentos abortivos são tão ocultos assim, por qual mistério insondável eles só se revelam aos olhos da militância abortista? Por que os abortistas não mostram ao mundo sua metodologia de cálculo e base de dados? Seria a origem de seus números um segredo esotérico ao qual somente os iniciados podem ter acesso? Teriam os abortistas acesso a tais informações mediante uma revelação sobrenatural, a qual não pode ser explicada em detalhes aos infiéis, os quais apenas têm o direito de saber a mensagem, mas sem ter o direito de questionar a fonte? E essa gente ainda tem o desplante de se dizer “a favor da ciência” e de acusar seus adversários de dogmáticos e fanáticos [15].
Mas, no fim das contas, quantas mulheres de fato morrem após realizarem o aborto “planejado” no Brasil? Os dados do DATASUS são bem claros: no ano de 2011 foram 135 mortes. Confira:
Óbitos mulheres idade fértil por Capítulo CID-10 segundo Região
Capítulo CID-10: XV. Gravidez parto e puerpério
Grupo CID-10: Gravidez que termina em aborto
Tipo causa obstétrica: Morte materna obstétrica direta
Período: 2011
TOTAL |
135 |
135 |
Região Norte |
16 |
16 |
Região Nordeste |
45 |
45 |
Região Sudeste |
58 |
58 |
Região Sul |
8 |
8 |
Região Centro-Oeste |
8 |
8 |
Fonte: DATASUS.
Dessas 135 mortes, podemos refinar mais a pesquisa, pois esse número abrange situações como a gravidez ectópica (quando o embrião aloja-se em local impróprio, normalmente nas trompas de falópio, sendo necessário retirá-lo numa cirurgia de risco), por exemplo, que não teriam qualquer relação com a legalização do aborto, visto que se trata de hipótese de “aborto legal”. São as situações de morte por tentativa de aborto que os militantes da legalização dizem querer impedir. Mas quanto elas são afinal? Eis a resposta (de novo do DATASUS):
Óbitos mulheres em idade fértil, segundo Região
Grupo CID-10: Gravidez que termina em aborto
Categoria CID-10: O07 Falha de tentativa de aborto
Período: 2011
TOTAL |
9 |
Região Norte |
2 |
Região Nordeste |
3 |
Região Sudeste |
4 |
É isso mesmo. No ano de 2011 faleceram NOVE mulheres por tentativa de aborto ao longo dos oito milhões de quilômetros de território nacional (sendo que em duas regiões não houve registro de qualquer morte: Centro-oeste e Sul) [16].
Recentemente foi noticiado nacionalmente o falecimento de uma mulher atingida em cheio por um raio ao entrar na água enquanto chovia [17]. Segundo a Scientific American, ocorrem 132 mortes por ano no Brasil em razão desta causa, sendo que a chance de uma mulher ser atingida é dez vezes menor que a de um homem [18], no que se pode estimar em doze falecimentos por ano o número de mulheres vitimadas por raios.
É exatamente isto o que você acabou de ler: a possibilidade de uma mulher falecer vitimada por um raio é maior do que em razão de um procedimento abortivo.
O fato é que não existe fonte ou dado algum que embase o alegado pela militância abortista. Como já explicado nas palavras do Dr. Nathanson, estamos diante apenas de mentiras propagandísticas com a função política de legalizar homicídios.
Para encerrar esta primeira parte, é impossível não fazer uma analogia entre a ideologia abortista e a ideologia comunista quando se trata de escolher quais vítimas merecem encômios e lágrimas. Comunistas têm total desprezo pelas 100 milhões de pessoas que massacraram ao longo do século XX, mas ao mesmo tempo pranteiam de maneira escandalosa os seus falecidos, mesmo tendo sido mortos em número muito menor aos que mataram. A mesma coisa ocorre na mentalidade abortista, onde a morte de um reduzido número de mulheres gera mais escândalo que os mais de quarenta milhões de abortos realizados num único ano (2008), conforme a Organização Mundial de Saúde [19].
****
[1] Médico fundador da NARAL (National Abortion and Reproductive Rights Action League – Liga de Ação Nacional dos Direitos Reprodutivos). http://pt.wikipedia.org/wiki/Bernard_Nathanson. Esclareça-se que o Wikipedia está sendo citado como meio do leitor não familiarizado com o assunto inteirar-se sobre quem foi o Prof. Nathason. Todavia (esclarecimento importante aos mais maliciosos) a enciclopédia livre não foi, de maneira alguma, a fonte principal deste artigo. [2] Freakonomics, editora Campus, 2007. [3] Fascismo de Esquerda, editora Record, 2009. [4] http://www.providafamilia.org.br/doc.php?doc=doc45845 [5] http://www.estadao.com.br/noticias/nacional,onu-critica-legislacao-brasileira-e-cobra-pais-por-mortes-em-abortos-de-risco,837316,0.htm [6] http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=10&op=0&vcodigo=RC81&t=obitos-ocorridos-ano-sexo. A coleta de dados é feita mediante a obrigatoriedade dos cartórios de registros civis de pessoas naturais enviarem a cada três meses os dados sobre nascimentos, casamentos e óbitos, conforme previsto na Lei de Registros Públicos (Lei. 6.015/73) em seu artigo 49. [7] Abrange mulheres de 10 a 49 anos. Vide http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/sim/mat10descr.htm [8] http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?sim/cnv/mat10uf.def [9] Quando os números mentirosos de Patricia Schulz foram denunciados (vide artigo de Reinaldo Azevedo no website http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/a-grande-mentira-sobre-as-200-mil-mulheres-que-morreriam-em-decorrencia-do-aborto-pior-o-governo-brasileiro-ajuda-a-espalhar-a-falacia/), houve uma tentativa de se dizer que a mídia havia entendido de maneira equivocada as palavras da “perita”, a qual teria na verdade aludido a 200.000 internações hospitalares ao invés de 200.000 abortos. Qual foi a prova de que esta realmente foi a declaração da suíça? Um relatório oficial? Anais de congresso? Nada disso. Uma pessoa que supostamente a conhece postou no facebook a informação, como foi noticiado no site http://www.viomundo.com.br/denuncias/ministro-padilha-o-erro-nao-foi-da-onu-e-sim-do-estadao.html, ou seja, fonte não-oficial oriunda de terceiros, publicada em rede social. Atribuir algum crédito a isto é excesso de benevolência. [10] Infelizmente não consegui encontrar as fontes, mas recordo-me bem de matérias da revista Claudia e do jornal O Globo falando respectivamente em 250.000 e 400.000 mortes anuais de mulheres por aborto. [11] http://demaeparamae.pt/artigos/aborto-espontaneo [12] http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?no=10&op=0&vcodigo=RC71&t=nascidos-vivos-ocorridos-ano-local-nascimento [13] Aproveite-se o ensejo para refutar uma outra falácia do abortismo: a de que não há problema moral em legalizar o aborto, já que se trata de fenômeno que ocorre naturalmente. A acefalia de tal raciocínio pode ser demonstrada pelo seguinte exemplo analógico: a morte é um fato natural, então neste caso não haveria problema algum em descriminalizar o homicídio. [14] É possível que este número seja maior, pois muitos desses abortos espontâneos ocorrem no primeiro para o segundo mês de gestação, sendo que por vezes a mulher sequer fica ciente da gravidez, achando que a breve suspensão da menstruação foi uma mera irregularidade temporária de seu ciclo. [15] Os expedientes empregados pelos abortistas quando questionados sobre suas fontes chegam a ser cômicos. No debate pelo Portal IG (http://www.youtube.com/watch?v=XUoDRy0bjVo) entre o Prof. Hermes Nery (pró-vida) e uma defensora da legalização do aborto, enquanto o primeiro estava sempre consultando suas anotações e fontes, sua contendora nada tinha em mãos e alegou (aos 7’ e 30” de programa) que havia deixado seu material com indicação das fontes “ali dentro” (apontando para os bastidores do programa). Frise-se que o programa teve três intervalos e em nenhum deles a distinta senhora teve a idéia de buscar seu material ou pedir a alguém que o fizesse. No fim das contas, não citou fonte alguma com precisão. [16] Dependendo dos parâmetros utilizados, o DATASUS também pode informar números ainda mais baixos: 97 e 7 eventos para óbitos em geral e óbitos por tentativa de aborto, respectivamente. Optou-se aqui pelos valores mais altos, até para deixar claro a opção deste artigo pela honestidade intelectual, sem buscar os dados que mais favoreçam as idéias aqui expostas. [17] http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/brasil/2014/01/14/interna_brasil,407921/mulher-morre-em-praia-do-guaruja-em-sao-paulo-apos-ser-atingida-por-raio.shtml [18] http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/os_numeros__surpreendentes__de_mortes_por_raios_no_brasil.html [19] http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/75174/1/WHO_RHR_12.02_eng.pdf?ua=1Escrito por Daniel Aquino Neto. Revista Vila Nova.
0 Comentário